Já pensou fazer todo o acompanhamento pré-natal do seu filho, dar à luz e só depois de quase dois anos descobrir que ele possui uma doença genética rara? Foi o que aconteceu com Larissa Carvalho, repórter da TV Globo Minas, em Belo Horizonte, que é mãe do Théo, hoje com 4 anos. Ele possui acidúria glutárica tipo 1, uma condição que impede que o corpo metabolize proteínas. Ao ingeri-las, Théo acabou desenvolvendo paralisia cerebral. Tudo isso poderia ter sido evitado caso ela tivesse feito o teste do pezinho ampliado, que diagnostica doenças raras nos primeiros dias após o nascimento do bebê. “Se meu filho tivesse feito o teste do pezinho ampliado, hoje, ele estaria andando”, lamenta Larissa.
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Ela conta que tudo correu normalmente na gravidez. Durante os primeiros três meses de vida, Théo se desenvolveu dentro do esperado e não apresentou nenhum sintoma. Porém, a partir do quarto mês, a mãe percebeu que o filho ainda não sustentava a cabeça sozinho, era uma criança com o corpo mole e dormia muito. Ela decidiu então procurar ajuda médica para descobrir o que poderia estar acontecendo.
Diagnóstico
Uma ressonância apontou a morte de neurônios no núcleo da base do cérebro. Dois neuropediatras indicaram que a causa teria sido falta de oxigenação no parto. A mãe sempre duvidou desse diagnóstico, pois o parto tinha sido tranquilo e os exames de reflexos feitos ao nascer não indicavam problemas.
O tempo passou e a criança piorava, ficava cada vez mais ‘mole’, de acordo com a mãe. Larissa não parou de investigar até que, quando Théo já tinha 1 ano e 10 meses, ela conseguiu finalmente descobrir que ele tinha acidúria glutárica, por meio de exames realizados no hospital Sarah Kubitschek. Isso significava que ele não podia consumir proteínas presentes no leite, na carne, no ovo e em alguns tipos de vegetais.
“Ou seja, quando eu amamentava, quando eu mais me sentia mãe, na verdade, eu estava matando os neurônios do meu filho”, conta a jornalista.
A ingestão de proteínas afetou o tônus muscular e fez Théo desenvolver uma paralisia cerebral. A doença não afeta as capacidades mentais: ele consegue interagir com o ambiente, aprender e pensar como crianças da mesma idade. Mas os seus músculos não possuem estrutura suficiente para realizar movimentos básicos como caminhar, segurar objetos e falar.
A importância do teste do pezinho ampliado
Junto com o diagnóstico da doença, veio outra informação: a de que a doença poderia ter sido diagnosticada (e com ela a ingestão de certas proteínas evitada) caso Théo tivesse feito o teste do pezinho ampliado, que detecta um número maior de doenças raras congênitas nos primeiros dias de vida do bebê. Ao contrário do teste do pezinho convencional, que identifica até seis enfermidades e é oferecido gratuitamente na rede pública, o teste ampliado varia de 10 a 50 diagnósticos, sendo oferecido apenas em instituições particulares com custo de até R$ 500.
“Eu não sabia da existência desse exame. Nenhum médico me avisou. Se eu tivesse cortado a proteína logo depois do teste do pezinho, o Théo estaria correndo por aí. Eu e o Théo fomos vítimas de negligência”, conta Larissa, que fez apenas o teste básico para o filho. Para ela, o maior problema não é o custo do exame, mas a falta de informação. “A gente tem um teste do pezinho ineficiente e médicos despreparados para as doenças raras”, afirma. Em outros países, como Estados Unidos, Portugal e Costa Rica, são oferecidos testes ampliados na rede pública.
A rotina de Théo
Devido à dieta limitada, Théo tem de consumir quinzenalmente uma lata de leite em pó com restrição de proteína que custa R$ 1.700 e vem da Alemanha. “Uma proteína é composta de vários aminoácidos que o Théo pode e deve ingerir para formar um pouco músculo, mas tem dois deles, lisina e triptofano, que ele não pode tomar e que estão ausentes nesse leite”, explica Larissa.
Théo também faz sessões semanais de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. A mãe conseguiu que boa parte do tratamento fosse paga pelo governo. “Eu não tenho constrangimento em que eles me paguem isso, porque eu tenho certeza de que foi o Estado Brasileiro que colocou meu filho numa cadeira de rodas por conta da ineficiência do teste do pezinho”, diz a repórter. Além disso, ele faz equoterapia e musicoterapia, que ajudam Théo a trabalhar aspectos como força muscular, concentração e consciência do próprio corpo.
Mesmo com todos os cuidados, os médicos disseram que Théo nunca vai sentar, andar ou falar. “Me disseram na cara: a chance dele é nenhuma. Esses tratamentos são apenas para ele ter um pouco mais de qualidade de vida”, conta Larissa. Ele vai à escola pública, em que uma tutora o acompanha individualmente.
“Théo é super feliz, gosta de participar de tudo, não gosta de ser tratado como bebê”, conta a mãe. Larissa conta que a parte cognitiva dele está preservada, e que ele já aprendeu todo o alfabeto e acompanha filmes como as outras crianças. No futuro, Théo pode aprender a falar por meio de um sistema de um chip que se comunica por meio de um computador. Para andar, seria necessário um exoesqueleto, espécie de ‘roupa robótica’ que capta a atividade cerebral da pessoa e transforma os impulsos cerebrais em movimento. Trata-se, porém, de uma tecnologia ainda muito cara e inacessível.
Campanha luta para que teste ampliado seja gratuito
Depois do ‘luto’ pela descoberta da doença, a jornalista decidiu agir para ajudar outras gestantes que estivessem se preparando para o nascimento do filho. “Eu comecei a pensar o que poderia fazer pelos ‘Théos’ que virão e passei a cutucar toda grávida que via para dizer que ela fizesse o teste do pezinho ampliado”, conta Larissa.
Ela também descobriu o Instituto Vidas Raras, ONG que organiza a petição pública “Pezinho no Futuro”, que pede a ampliação do teste do pezinho na rede pública de saúde do país. A meta é conseguir um milhão de assinaturas. Para apoiar a petição, basta acessar o site da campanha e assinar a petição.
O instituto promove a conscientização sobre as doenças raras e realiza o trabalho de advocacy, ou seja, diálogo com parlamentares e autoridades a fim de fortalecer políticas públicas de prevenção e tratamento dessas enfermidades.
A jornalista se tornou uma das porta-vozes da campanha, e desde então já participou de diversas reportagens junto com sua família para alertar a população sobre a importância do diagnóstico precoce realizado pelo teste do pezinho ampliado. Larissa também participa de audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e eventos em instituições particulares para apoiar a campanha.
Brasília e Paraíba possuem versão mais completa do exame
Um projeto de lei que aprova a ampliação do teste do pezinho no estado foi aprovado e sancionado neste ano, mas ainda precisa ser regulamentado para definir quantas doenças serão incluídas no diagnóstico. A proposta inicial de Larissa é ampliar de 6 para 25 doenças investigadas.
Hoje, Brasília e Paraíba já possuem versões mais completas do teste. Em São Paulo, um projeto de ampliação está em fase de segundo turno na etapa do processo de aprovação na Assembleia Legislativa.
Para conhecer mais sobre a história de Théo e a acidúria glutárica, veja a reportagem que Larissa fez para o programa Bem Estar, da TV Globo.
Feliz de saber que a lei foi sancionada e participei da petição com a minha assinatura ❤️