Por Rafaela Matias
Durante a infância, há um passeio recorrente e difícil de esquecer: a hora da vacina. São tantas que a criançada já espera agoniada pela próxima dose. E os pais também sofrem com a picada dolorosa nos filhos – e com os (altos) custos da caderneta de vacinação ideal, indicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Embora a saúde pública deixe a desejar em muitos pontos, é preciso dar o crédito quando se trata da vacinação brasileira. O país tem uma das melhores coberturas vacinais do mundo e oferece pelo Sistema Único de Saúde (SUS) todas as doses recomendadas pela OMS. “Quando o Programa Nacional de Imunização foi criado, milhares de crianças brasileiras morriam ou desenvolviam sequelas em decorrência de doenças como sarampo, poliomielite, difteria, coqueluche, meningite, tuberculose e tétano. Elas foram controladas pela cobertura vacinal eficaz que é feita aqui”, afirma o médico José Geraldo Leite Ribeiro, secretário do Departamento de Vacinas da SBP, professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana de Minas Gerais (FASEH) e membro do Conselho de Ética e da Comissão de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Um exemplo é o que ocorreu com a meningite de sorogrupo C, que registrava milhares de casos em menores de 5 anos anualmente no país. Em Minas Gerais, nos últimos cinco anos, apenas uma criança dessa faixa etária foi infectada por essa doença.
O investimento para obter números satisfatórios é alto: R$ 3,9 bilhões por ano. Pode parecer suficiente para cobrir os custos da imunização completa, mas não é. As vacinas passam por processos de estudo, teste, licenciamento e análise. É um longo caminho até que cada uma delas esteja disponível no mercado. Quando o produto demonstra eficácia, ele custa caro e é acessível a poucos países – nunca para a população toda; às vezes, apenas para grupos de risco. “Nenhum país do mundo oferece todas as vacinas com cobertura integral. Nem teria produto suficiente para abastecer o mercado, mesmo que os governos quisessem. A saúde pública define as vacinas de acordo com a viabilidade coletiva disso, em termos de custo-benefício”, explica o médico Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da SBP. Segundo ele, o Brasil possui um programa de vacinação completo e avançado, com mais de 36 mil salas para atender a demanda nos postos de saúde e nos hospitais. No entanto, existem doses de difícil produção ou até mesmo mais modernas – com menos efeitos colaterais, por exemplo – que custam muito caro e são inviáveis para a introdução em larga escala. É por isso que, segundo o especialista, o caderno de vacinação indicado pelos pediatras nem sempre bate com a caderneta do Plano Nacional de Imunização. “A SBP faz a recomendação do ponto de vista da saúde individual, do que é melhor para cada criança, independentemente do custo disso. Fica a critério dos pais determinarem quanto querem e podem investir”, explica.
De fato, é um investimento. O valor mínimo encontrado pela Canguru para a cobertura vacinal completa é de R$ 5.226* – com base na pesquisa de preços em 13 laboratórios particulares de Belo Horizonte (levantados em janeiro pelo site Mercado Mineiro), três no Rio de Janeiro e três em São Paulo. O total de doses recomendadas das duas vacinas que não são oferecidas pelo SUS em nenhuma circunstância, ACWY e meningocócica B, sai a R$ 1.788 e R$ 2.240, respectivamente. Outras, como a pneumocócica, até são oferecidas na rede pública, mas em uma versão diferente daquela recomendada pelos pediatras. Com quatro doses, a vacina disponível na rede particular garante uma proteção maior ao imunizado e está disponível pelo valor mínimo de R$ 900 no total. Em outras situações, o SUS oferece apenas uma dose, mas o recomendado é tomar um reforço. Esse é o caso da imunização contra hepatite A, cuja dose extra custa pelo menos R$ 108 (veja mais informações no quadro abaixo, que você pode recortar para comparar com seu calendário vacinal). O investimento dos pais era ainda maior até 2017, quando o público-alvo do calendário vacinal do SUS foi ampliado para quatro vacinas – hepatite A, tetraviral (sarampo, rubéola, caxumba e varicela), meningocócica C e HPV para meninos –, contemplando também as crianças.
Além dos preços altos, nem sempre é fácil encontrar as doses. A ACWY, a vacina contra a meningite B e a contra a hepatite A, por exemplo, estavam em falta em vários laboratórios pesquisados em janeiro. Em pleno surto na região Sudeste, a vacina contra a febre amarela também começou a acabar nas clínicas particulares. Mas, nos postos de saúde públicos, ela continuou garantida.