Bater nas crianças sempre foi um tema polêmico. Embora especialistas não aprovem tal medida, por acreditar que ela não se mostra eficaz – o que é comprovado por inúmeras pesquisas – na prática, sabe-se que dar uma palmada nos filhos é algo que faz parte da rotina de muitas famílias. Diante de situações frequentes de desobediência, birra e outras atitudes inadequadas, muitos pais, talvez por não saber mais o que fazer para mudar esses comportamentos, decidem apelar para a violência física.
Segundo dados da Unicef, 3 a cada 4 crianças em todo o mundo (cerca de 300 milhões), entre 2 e 4 anos de idade, sofrem regularmente algum tipo de violência por parte de seus cuidadores. Entre 2 e 14 anos, 80% dessa faixa etária (cerca de 250 milhões) sofre castigo físico ou agressão psicológica. Na região da América Latina e Caribe, a prática de bater nos filhos em casa atinge uma a cada duas crianças.
Na tentativa de mudar esse cenário, a Academia Americana de Pediatria (AAP) publicou agora em novembro um guia voltado aos pais e outros responsáveis pelo cuidado de crianças, em que se pronuncia contra o abuso físico e verbal exercido sobre as crianças como medida corretiva.
O documento Disciplina Efetiva para criar crianças sãs orienta os pediatras a dar assistência aos pais para que desenvolvam métodos educativos distintos a bater, frente a uma conduta indesejável de seus filhos
Segundo a declaração de diretrizes, ‘estratégias disciplinares aversivas, incluindo todas as formas de punição corporal e gritar ou envergonhar crianças, são muito pouco eficazes a curto prazo e não são eficazes a longo prazo’.
Baseados em novas evidências, os pesquisadores associam a punição corporal a um risco maior de resultados negativos comportamentais, cognitivos, psicossociais e emocionais para as crianças, afirma o documento. O mesmo traz orientações para pediatras e outros provedores de assistência à saúde infantil sobre estratégias parentais positivas e eficazes de disciplina para crianças em cada estágio do desenvolvimento, bem como referências a materiais educacionais.
E quais são as sugestões dos pediatras americanos?
A associação recomenda que os adultos que cuidam de crianças usem formas saudáveis de disciplina, como reforço positivo de comportamentos apropriados, definição de limites, redirecionamento e definição de expectativas futuras. Também orienta os pais a não dar palmada, bater, ameaçar, insultar, humilhar ou envergonhar os seus filhos.
A Associação Americana de Pediatra destaca que:
1. Pais, cuidadores e adultos que interagem com crianças e adolescentes não devem usar punição corporal (incluindo bater e espancar), como forma de punição devido a mau comportamento. Tampouco devem usar qualquer estratégia disciplinar, incluindo abuso verbal, que cause vergonha ou humilhação.
2. Ao orientar sobre o comportamento infantil e práticas parentais, os pediatras devem oferecer aos pais ferramentas úteis tais como:
– estratégias disciplinares eficazes para ajudar os pais a ensinar aos filhos comportamentos aceitáveis e protegê-los de danos;
– informações sobre os riscos de efeitos prejudiciais e a ineficácia do uso de punição corporal;
– o insight de que, embora muitas crianças que foram espancadas se tornem adultos saudáveis e felizes, as evidências atuais sugerem que a palmada não é necessária e pode resultar em danos a longo prazo.
3. Centros de apoio familiar como escolas e outros espaços de saúde pública são fortemente encorajados a fornecer informações aos pais e familiares sobre alternativas eficazes ao castigo corporal
A AAP também incentiva que os pais usem o reforço positivo como principal meio de ensinar comportamentos aceitáveis. Por exemplo, os pais podem aprender que crianças pequenas anseiam por atenção e assim dizer a elas algo como: “Eu adoro quando você…”Dessa forma, segundo a associação, os pais reforçam o comportamento que desejam ver em seus filhos.
Sobre as consequências da punição, o documento comenta:
O uso repetido de castigos corporais pode levar a comportamentos agressivos e brigas entre pais e filhos e afetar negativamente a relação entre eles;
A punição corporal está associada ao aumento da agressão em crianças pré-escolares e escolares, favorecendo nelas atitudes desafiadoras e agressivas no futuro.
Veja o documento da Associação Americana de Pediatria na íntegra aqui.
Histórico da leis proibitivas
Segundo dados da Unicef, menos de um terço dos países da América Latina e Caribe conta com uma proibição total de castigo físico contra crianças. Na região, apenas 10 países, incluindo o Brasil, Argentina, Bolívia e Costa Rica têm legislação específica para proibir o castigo corporal em todos os âmbitos, o que inclui espaços como a casa e a escola, entre outros.
Na Europa, 31 de 44 estados possuem legislação contra a prática de bater nos filhos. Mas 13 países, entre os quais Bélgica, França, Itália e Reino Unido, não possuem normas sobre o tema. Nas escolas, porém, o castigo corporal não está permitido. A medida tem o amparo da Convenção dos Direitos da Criança, das Nações Unidas, de 1989, que afirma em um de seus 54 artigos ser proibido bater em crianças e foi assinada por .
Mensagens em caixas de leite
A Suécia foi o primeiro país a instituir uma lei que proibia os pais de bater em seus filhos. Era o ano de 1979 quando as caixas de leite no país passaram a trazer impressas uma mensagem para as famílias, informando que estava proibido por lei bater nos filhos. O anúncio circulou por meses e tratava-se de uma campanha do departamento de justiça que informava sobre a nova norma que vetava castigos físicos aos pequenos em casa, na escola e qualquer outro ambiente, informa reportagem publicada do jornal El País. O governo da Suécia fez história ao modificar o chamado Código de Paternidade e Tutela. Era o primeiro país do mundo a proibir por lei o castigo corporal em crianças em todas as suas formas.