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“Minha mãe não tem amigas”: uma reflexão impactante sobre amizades maternas
Na fase entre a infância e a adolescência, a jornalista Bruna Ostermann acreditava que sua mãe não tinha amigas porque era “chata”. Enquanto o pai era cercado de amigos, fazia festas, organizava viagens e outras atividades divertidas, a mãe, para não dizer que não tinha nenhuma, tinha uma única amiga. Só que os anos se passaram, Bruna cresceu, virou adulta, tornou-se mãe…. E aí, a ficha caiu. Quando a mãe dela completou 68 anos, ela resolveu fazer uma homenagem, postando um vídeo sobre esse assunto nas redes sociais, e a reflexão acabou viralizando. “Depois de muito tempo, entendi que minha mãe não conseguiu ter amigas”, diz ela, na gravação. “Hoje, depois de ter a minha filha, eu entendi que ela tinha vários pratos: o prato profissional, doméstico, mãe, o prato esposa, filha e o prato amiga. E esse foi o que caiu”, afirma. “Hoje, me dou conta de que não é que ela fosse chata. É que ela era a pessoa que, de fato, se envolvia na administração da vida dos filhos”, avalia.
A reflexão tocou várias mulheres, que se identificaram com as falas: algumas se reconheceram em situações como a da mãe de Bruna, e outras acabaram ligando os pontos e compreendendo as próprias mães. De qualquer forma, é difícil não ser impactada pela mensagem, que, no fundo, é uma forte reflexão sobre a sobrecarga materna. Quanto tempo sobra para as mães? Quanto tempo elas podem dedicar ao que importa e ao que as faz feliz? Quanto tempo elas podem simplesmente dedicar a si mesmas?
Em entrevista exclusiva ao Canguru News, Bruna explicou que quando se tornou mãe, entendeu que existe uma carga administrativa na vida da mulher, que é muito maior do que na vida do homem. Ao perceber a participação do próprio marido na vida da filha, identificou também que seu pai participava pouco das questões “chatas” da vida dela e dos irmãos. “Ele brincava bastante com a gente, se propunha a viajar, ensinou a andar de bicicleta. Essa parte de ser o pai ‘legalzão’, ele fez superbem. Mas não se envolvia em incentivar uma alimentação saudável, não levava ao médico. Na minha memória, era sempre a minha mãe que me levava ao pediatra”, conta. “Eu o via como apaziguador, enquanto enxergava minha mãe como uma ‘grande chata’, que estava sempre me cobrando coisas. Depois eu entendi que, para ele, era muito confortável estar nesse papel”, afirma.
Há algum tempo o pai de Bruna foi diagnosticado com demência frontotemporal. “Foi um grande baque na minha relação com a minha mãe, mas foi aí que comecei a entender quais eram os papéis deles”, diz ela. Isso se somou à maternidade e a muitas sessões de terapia para que ela entendesse o quanto a mãe dela abriu mão por ela e pelos irmãos.
Bruna contou que se organizou para passar o dia do aniversário da mãe com ela, já que os dois irmãos estavam viajando. “Eu pensei: ‘Ela não vai fazer nada com as amigas dela, porque perdeu esse hábito’. Então, já acordei pensando nisso naquele dia, embora fosse uma conclusão a que eu já tinha chegado. Acordei com essa sensação de que precisava agradecê-la pelo fato de que ela escolheu abdicar desse prato, mas nunca me deixou abdicar”, afirma. A mãe é a rede de apoio para que Bruna cultive as próprias amizades – além de tocar todas as outras áreas da vida.
A partir dessa compreensão mais profunda da própria história familiar, Bruna passou a observar com mais clareza como as escolhas — e as renúncias — de sua mãe reverberam hoje na forma como ela se organiza. Um dos temas sobre os quais as duas conversam com frequência é a possibilidade de Bruna ter ou não um segundo filho. Antes, a mãe dizia que achava que ela tinha de ter outro. Agora, afirma que é Bruna quem tem de decidir e que a ela cabe apoiá-la no que for.
Para Bruna, essa postura é simbólica. “Ela fez escolhas das quais não se arrepende, mas não quer que eu precise fazer as mesmas renúncias. Ela não deseja que o meu ‘prato das amizades’ caia, que eu deixe de viver a minha vida. Isso diz muito”, reconhece.
O “pratinho” do dia
Mãe de Estela, 3 anos, Bruna criou um sistema para organizar sua rotina: todas as noites, antes de dormir, ela revisa mentalmente qual “pratinho” deixou cair naquele dia. “Eu tenho o pratinho da leitura, que é meu hobby e também um investimento no futuro — já li mais de 50 livros este ano. Tenho o pratinho das amizades, o pratinho Bruna ‘filha’, que inclui minha mãe, meu pai e minha avó, que mora com a minha mãe. Tenho o pratinho da Bruna ‘esposa’, o pratinho diversão, o pratinho saúde, o pratinho profissional e o pratinho da vida doméstica”, enumera. “Foi o jeito que encontrei de não me sentir culpada. Eu aceito que não dá para equilibrar tudo, todos os dias. Então deixo um cair hoje, outro amanhã. Só não deixo nenhum cair para sempre”, explica.
A lógica tem sido libertadora. “Antes eu me sentia péssima se passava um dia sem dar uma hora de qualidade para a Estela. Agora eu penso: ‘Ok, hoje caiu o pratinho da maternidade; amanhã ele não cai’. E assim vou equilibrando”, completa.
A força das amizades na maternidade
Se o olhar infantil de Bruna a levava a acreditar que sua mãe era “chata”, a vida adulta mostrou o quanto as amizades — quando existem e são cultivadas — são fundamentais para a maternidade. Ironicamente, foi na maternidade que Bruna percebeu que não poderia viver sem as suas.
“Outras mães foram muito importantes quando a Estela nasceu”, conta. Uma delas, Clarissa, apareceu quando a bebê tinha apenas 20 dias e a ajudou a entender que nem todo barulho era choro — nem todo choro era sofrimento. Outra amiga, Tati, que nem tem filhos, apareceu em uma manhã exaustiva e fez a filha dormir enquanto Bruna respirava. “Eu fiquei chocada, emocionada. Foi um gesto tão generoso”, lembra.
Há também Hanna, uma amiga de infância, que comparece aos aniversários da pequena mesmo sem conhecer ninguém. “Ela vai porque se importa, porque ama minha filha. E eu faço questão de contar isso para a Estela. Quero que ela entenda o valor das amizades”, explica.
Essa rede é essencial, mas exige um certo esforço. Recentemente, ao viajar para o casamento de uma amiga, Bruna precisou ficar longe da filha por vários dias. “Foi uma função enorme organizar tudo. Mas foi fundamental. Eu voltei abastecida, feliz. E digo para a Estela: ‘A mamãe é muito feliz viajando com as amigas’. Quero que ela saiba que é importante ter vida para além da maternidade”, destaca.
De geração em geração
Bruna também percebeu que muitas mulheres que comentaram seu vídeo esperam ser reconhecidas pelos filhos como ela reconheceu a própria mãe. Mas faz um alerta: para ela, essa é uma expectativa perigosa. “Uma mãe comentou que criou esperança de que os filhos também reconheceriam o que ela abriu mão. E eu pensei muito sobre isso”, diz. “Eu não tenho essa expectativa em relação à minha filha. Acho que é injusto colocar nos filhos essa obrigação”, pontua.
Na opinião dela, cada geração vai ajustando o que recebeu. A avó abandonou a carreira para ser esposa e precisou superar situações difíceis, na dependência do marido. A mãe já fez diferente: estudou, trabalhou, dividiu responsabilidades com o marido, mas deixou os próprios vínculos sociais de lado. Agora, é a vez de Bruna, que tenta construir uma terceira via.
“Eu sempre tive uma mãe absolutamente incondicional. Mas hoje eu faço diferente do que ela fez — e acho que ela também gostaria que tivesse sido assim”, diz. “Minha mãe tinha três filhos, um trabalho, uma casa. Não sobrava energia para brincar. Para mim, isso virou prioridade”, exemplifica. “Minha mãe nunca foi de verbalizar sentimentos. Eu digo para a Estela que a amo umas 15 vezes por dia. Quero que ela nunca tenha dúvida”, afirma.
Além disso, Bruna segue uma abordagem parental mais contemporânea, baseada em educação positiva. “Hoje sabemos que castigo não funciona, que gritar não ajuda. Então eu tento fazer melhor com o que eu sei, assim como a minha mãe fez o melhor com o que ela sabia”, reflete.
Desapego necessário
Bruna não sabe como Estela vai ver suas escolhas quando crescer. Não sabe se terá outro filho, se a filha será filha única, como isso afetará sua visão de mundo. Mas sabe que não quer projetar sobre ela expectativas irreais. “Talvez ela nem queira ser mãe. Talvez se frustre comigo na adolescência. Talvez me ame mais do que tudo. A verdade é que eu não faço ideia. A única coisa que posso fazer é oferecer muito amor, diálogo e compreensão”, defende.
Um dos principais pontos é mostrar que ela é uma pessoa inteira — com trabalho, hobbies, amigas, marido, tempo para si e para o que importa. Tudo isso, no fim, é também um recado para as mulheres que se emocionaram com seu vídeo: é possível escolher quais pratos segurar, quais podem cair e, principalmente, quais não podem mais se espatifar no chão.
Canguru News
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