O aumento no número de mortes e infectados por covid-19 levou São Paulo de volta à fase vermelha, a mais restritiva, que permite a abertura apenas de atividades essenciais. Entre elas, a educação, que desde dezembro entrou nessa categoria de acordo com decreto válido para todo o estado. Isso torna obrigatório a abertura das escolas estaduais, mas no caso das municipais, cabe a cada prefeitura decidir – na capital paulista, por exemplo, optou-se pela obrigatoriedade. Já na rede particular de ensino, o funcionamento das escolas é facultativo – algumas, inclusive, anunciaram que suspenderão as aulas presenciais nas próximas duas semanas. Muitas, porém, quiseram ouvir as famílias para saber se mandariam ou não os filhos à escola e, a partir daí, organizar as aulas.
Diante desse cenário, é grande o número de pais que está em dúvida quanto a seguir com as aulas presenciais ou adotar temporariamente o ensino remoto. De fato, essa é uma decisão difícil e muito particular de cada família, que tem de levar em conta suas necessidades. Para ajudar os pais nessa escolha, pedimos a especialistas que levantassem aspectos positivos e negativos de frequentar as aulas presenciais neste momento de piora da pandemia em todo o país.
“Recomendo que a decisão seja tomada de maneira individualizada, considerando a realidade de cada família, de cada escola e em conjunto com o pediatra. São muitos fatores envolvidos, mas, de maneira geral, recomendo sim as aulas presenciais. Sabemos que crianças não são acometidas com gravidade na imensa maioria dos casos e que não são os principais transmissores do coronavírus. Temos visto o impacto na saúde física e emocional das crianças causado pelo período longe das escolas”, afirma a pediatra Talita Rizzini, coordenadora do pronto-socorro infantil e unidade de internação do Grupo Leforte, em São Paulo.
Além da pediatra, colaboraram para esta matéria o infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, que é vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo e coordenador do comitê técnico de infectologia pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, e a psicóloga e psicanalista, Alice Munguba, especialista em Clínica Psicanalítica Infantil na Holiste Psiquiatria, em Salvador (BA). Incluímos também algumas das recomendações dadas pelos pediatra Daniel Becker em suas redes sociais. Ele faz parte do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e é membro do Comitê Científico de Acompanhamento de Ações contra a Covid-19 da prefeitura do Rio. Confira abaixo a opinião dos especialistas.
Aspectos positivos de manter os filhos nas aulas presenciais
ESCOLAS SÃO LUGAR DE BAIXO RISCO – Não tem ocorrido um número elevado de contaminação nas escolas e os registros existentes mostram que a transmissão não se dá de criança para criança e sim de professor para professor. “Ou seja, não temos tido um surto propriamente dito nas escolas. Ainda assim, é importante que todos estejam preparados para situações de risco”, avalia o infectologista Marcelo Otsuka.
BENEFÍCIOS DIVERSOS PARA AS CRIANÇAS – Oportunidade de socialização com outras crianças, melhora na rotina de alimentação e outros hábitos, otimização do aprendizado e desenvolvimento, diminuição importante da exposição a telas/eletrônicos e consequentemente melhor desenvolvimento da visão são os fatores positivos de ir à escola apontados pela pediatra Talita Rizzini. “Momentos de brincar livre e exposição ao sol, e, principalmente, ter adultos dedicando sua atenção integral à criança também são aspectos favorecidos no presencial, complementa a pediatra. Além disso, diz ela, o retorno à escola pode ser fundamental na recuperação de crianças com transtornos de alimentação, ansiedade e depressão.
A CONVIVÊNCIA EM GRUPO – A escola proporciona à criança em formação o estar em comunidade. “Aprendemos quando estamos vendo e ouvindo a outra pessoa fazer o mesmo, em ato, com o corpo em cena. A criança em grupo também irá lidar com a possibilidade do perder, ganhar, lidar com a frustração, com o diferente, com o limite e com regras coletivas. Todas essas experiências nos humanizam e nos preparam para os desafios da vida adulta”, comenta a psicóloga Alice Munguba.
MANUTENÇÃO DE UMA ROTINA JÁ CONHECIDA – Desde que as escolas estejam adaptadas aos novos protocolos de saúde, seguir nas aulas presenciais é uma forma de manter a rotina da criança. “Isso pode vir a gerar uma continuidade dos seus referenciais de rotina e socialização que a criança e o adolescente já tinham internalizado e que balizavam também o seu modo de viver, sentir e aprender”, explica Alice.
GARANTIR UM MELHOR APROVEITAMENTO NOS ESTUDOS – “Dizer que ensino a distância substitui as aulas presenciais é falácia, porque os professores, no geral, não são adequadamente preparados para o ensino remoto”, destaca o infectologista. Ele afirma que o ambiente escolar favorece o envolvimento das crianças nas aulas, beneficiando assim o aprendizado.
ALÍVIO NA SOBRECARGA DOS PAIS – As crianças em casa, inevitavelmente demandam mais atenção e cuidado dos pais, os quais, muitas vezes, já estão sobrecarregados com os próprios afazeres. “Essa equação gera um aumento de sobrecarga e estresse nos pais que podem vir a ter efeitos de fadiga, impaciência e nervosismo, entre outros fatores, agravados de acordo com a condição psíquica de cada um”, relata a psicóloga. Ela comenta que a ida das crianças à escola pode ajudar a reduzir esse mal estar nos adultos.
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Aspectos negativos das aulas presenciais
SENTIMENTO DE INSEGURANÇA – Se algum familiar ou até os próprios filhos estiverem inseguros quanto à decisão de voltar às aulas, isso pode vir a causar um medo e/ou desconforto em torno dessa rotina. “O pior cenário é algum familiar vir a testar positivo para Covid-19 e essa situação gerar culpabilização em torno da criança e/ou adolescente”, afirma a psicóloga.
ESTAR SUJEITO A MUDANÇAS REPENTINAS – “Os pais devem estar preparados para mudanças nos planos. Para terem que manter as crianças em casa, caso o filho esteja sintomático ou tenha tido contato com alguém que testou positivo. Para algumas famílias, essa flexibilidade não é tão fácil de se conseguir e a imprevisibilidade chega a ser pior que não mandar a criança para a escola”, reflete a pediatra. Ela acrescenta que a decisão pelas aulas presenciais envolve igualmente o comprometimento de não mandar as crianças se estiverem com quaisquer sintomas suspeitos até que dê o tempo certo de coleta dos exames e que saiam os resultados dos mesmos – e então, proceder com a conduta de acordo.
NÃO PODER ENCONTRAR FAMILIARES – Ao frequentar a escola, muitas famílias mantêm distanciamento de familiares do grupo de risco, como avós, para evitar qualquer chance de transmissão do vírus. A falta de contato com as pessoas da família, no entanto, pode ser para muitos um grande sacrifício.
ESTAR CIENTE DE QUE NÃO EXISTE RISCO ZERO – Embora possam contrair a covid-19, dados mostram que crianças e adolescentes até 19 anos representam 0,63% do total de óbitos pela doença. “Ou seja, há óbitos, mas eles são muito menores do que os causados por outras condições como meningite e o vírus sincicial respiratório – que este ano teve uma maior frequência até, e isso não impede o retorno aulas”, diz o infectologista, que lembra ainda que crianças e jovens representam 25% da população brasileira. O pediatra Daniel Becker também afirma haver chances de uma pessoa se contaminar indo à escola, seja um professor, funcionário ou criança. “Mas existem riscos maiores e menores e a chance da criança trazer o vírus da escola para casa é muito baixa, nos casos em que a instituição de ensino oferece boas condições. O que eu digo sempre é: escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir”, pondera Becker.
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Quando deixar em casa
“Se a família está em situação em que a criança está em casa e consegue ter um bom aproveitamento das aulas no modelo a distância, podendo contar com todas as condições adequadas, ou que eventualmente a criança tem uma doença de base ou ela fica com pessoas que têm algum problema ou doença de base – nessas situações tem que pesar pois pode valer a pena manter a criança em casa”, reflete Otsuka.