Por Cris Guerra – Há pouco conheci a expressão “mãe solo”. Finalmente compreendi que o conceito de “mãe solteira” não fazia sentido — difícil notar o absurdo quando nunca estivemos fora dele. Em meio à tristeza de perder o pai do Francisco em plena gravidez, foi um susto me encaixar no tal estereótipo. Não me preocupavam olhares preconceituosos, e sim o medo de assumir sozinha um papel para o qual eu não me sentia madura, mesmo aos 36. Ainda não me sinto, embora o Fran já tenha 10 anos, mas não há como negar: já andamos um bocado.
Das lanternas que iluminaram meu caminho, minha mãe e minhas avós acenderam sins e nãos. Eu poderia dizer que minha grande inspiração foi Dora, mãe da minha mãe, que também perdeu o marido grávida — aos 23 anos e tendo já duas meninas pequenas para cuidar. Mas ela precisou ter tanta força, que carregou a mão. Passei a vida citando sua história, impactada pela viuvez eterna que ela se impôs. Foi meu exemplo a não seguir. Já minha mãe, que como meu filho não pôde conhecer o pai, viveu levando a palavra altruísmo às últimas consequências — herdou o heroísmo da mãe e um peso a mais. As duas tinham luz de sobra, mas falhavam quando voltavam os holofotes para si mesmas.
Sei que tenho muito das mães que elas foram, mas busco a todo custo ser outra mulher. Francisco sabe que seu coração bateu por mim quando o meu ficou sem voz. Que cavou em mim talentos escondidos, vindos à tona para que eu reagisse. Sabe também que não foi só para que eu desse conta de sustentá-lo — dar conta é pouco para o meu gosto. Eu queria saborear a trajetória. Por isso me foi tão importante o exemplo da outra avó, a paterna, cujo forte não era a maternidade, e sim quebrar paradigmas. Não imaginava que isso me seria tão necessário.
O abandono de si mesma compromete a autoestima, ameaça que chega rápido à relação com os próprios filhos e com o parceiro.
Com o tempo percebi que justamente as mães que não estão sozinhas na tarefa de criar seus filhos são as que muitas vezes se abandonam durante a viagem. Mitifica-se o papel materno a tal ponto que parece irresistível tornar-se mártir em nome do amor a um filho. As consequências, porém, podem ser devastadoras. O abandono de si mesma compromete a autoestima, ameaça que chega rápido à relação com os próprios filhos e com o parceiro. De uma coisa, eu tinha certeza: eu só seria boa mãe sendo feliz.
Não hesitei em lutar pela mulher que havia em mim, certa de que passar pelo luto não é morrer junto. Acordava sozinha nos fins de semana pra cuidar do Francisco, mas ia dormir pensando em como produzir o prazer que seria meu combustível. E a moda, que havia sido tão importante na construção da minha identidade, não largou da minha mão nem por um minuto.
Não pude seguir sem mim. Mãe e mulher se uniram de forma definitiva, e assim não me faltou sequer um pedaço. A perspectiva absolutamente particular de maternidade me mostrou que podemos, sim, ser mulheres inteiras (e deliciosamente imperfeitas), desde que isso seja prioridade.
Se é um desafio aceitar que nossos filhos não nos pertencem, a boa notícia é que eles também não são nossos donos. E na leveza do não pertencimento mora o prazer do voo.