Psicólogo, terapeuta familiar e escritor LUIZ ALBERTO HANNS.
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A arte de conviver a dois. Esse foi o tema da palestra ministrada pelo psicólogo, terapeuta familiar e escritor LUIZ ALBERTO HANNS, a convite da Canguru, em março, em BH. O especialista falou a respeito das dificuldades do casamento, especialmente após a chegada dos filhos. “Um dos problemas do ser humano contemporâneo é ficar preso à ideia que a mídia vende de que se pode ter tudo: filhos, se divertir muito, sexo ótimo e trabalhar bastante”, diz. Em entrevista exclusiva à revista, ele dá dicas sobre como lidar com os conflitos da vida familiar e conquistar uma relação harmônica.
POR Rafaela Matias
Além de impor um novo ritmo de vida, uma criança exige adaptações financeiras, geográficas e emocionais. Em quais desses aspectos da chegada de um filho mais interfere na vida do casal?
Isso vai depender um pouco das características de cada um, mas, de modo geral, a dimensão “casal” é a mais afetada, porque ela sofre interferências de todas as outras fontes de stress. Antes de ter filhos, o casal costuma ter tempo para o convívio a dois, para ter programas gostosos, encontrar amigos e ter uma dimensão erótica. Depois que vêm as crianças, o número de coisas a serem administradas aumenta muito e isso consome os esforços.
Como contornar as dificuldades e passar por essa fase de transformação de uma maneira mais tranquila?
Um dos grandes problemas do ser humano contemporâneo é ficar preso à ideia que a mídia vende de que se pode ter tudo. Então, eu posso ter filhos, me divertir muito, ter um sexo ótimo e trabalhar bastante. Algumas pessoas até conseguem conciliar essas coisas, mas o que a maioria precisa é privilegiar certas dimensões e deixar outras de lado em determinadas fases da vida.
Por quanto tempo, em média, a criação dos filhos impacta com tanta força a vida dos pais enquanto casal?
À medida em que os filhos ganham autonomia, essa interferência vai se diluindo. Em países como Alemanha, Suíça e Japão, aos 8 anos as crianças já têm independência suficiente para dar muito pouco trabalho aos pais. Na nossa cultura, principalmente por causa da criminalidade, isso pode ser percebido entre os 10 e os 13 anos, dependendo da cidade e da família.
Como os parceiros podem transformar o filho em um elo que vai aumentar ainda mais o amor do casal e não vê-lo como algo que veio para ficar entre eles?
As famílias que criam um espaço emocional para usufruir da vida em conjunto e que conseguem ter a iniciativa de bolar programas prazerosos podem construir momentos gostosos que incluam os filhos. Uma boa dica é fazer viagens em que todos sejam favorecidos, ou, ao menos, que um trecho agrade mais às crianças e um trecho agrade mais aos pais. Mas não tenhamos ilusão. Muitos programas, ainda que em família, ficam muito em função da criança, porque ela não tem maturidade para acompanhar tudo o que os pais gostariam. Essa consciência é até mais importante do que insistir em ter tudo muito leve. É claro que alguns programas podem trazer leveza à vida, mas, de um modo geral, ela é dura mesmo.
Então, a maneira de encontrar a felicidade nessa construção familiar seria abandonar a utopia e adaptar-se a cada fase?
Eu costumo falar para os meus pacientes que ter uma vida feliz não deve ser a sua meta, porque a felicidade não é uma constante. Ela está restrita a alguns momentos e depende um pouco de coisas que você não controla, como sorte. Ela também depende um pouquinho da sua genética, que te faz mais otimista ou mais depressivo. Por isso, a questão fundamental é você ter uma vida que valha a pena. E uma vida que vale a pena não é necessariamente uma vida feliz, no sentido de estar sempre curtindo e cercado de leveza. Ela deve fazer parte de uma jornada que faz sentido para você, que te permite aguentar as frustrações.
Você escreveu o livro A Equação do Casamento. Realmente existe uma fórmula para fazer dar certo a vida a dois? Qual seria ela?
A maioria das pessoas tem um casamento em que alguns setores vão bem, outros não vão tão bem e alguns vão muito mal. Essa é a vida normal. E é o conjunto desses setores que forma a equação do casamento que dá título ao livro. Podemos dividi-los em seis dimensões. A primeira é a compatibilidade psicológica, que faz com que o casamento possa ser mais ou menos prazeroso. A segunda é o grau de consenso, ou seja, o quanto nós concordamos sobre as coisas. O terceiro fator é a atração sexual, que depende de aspectos como bioquímica, genética, estilo na cama e compatibilidade. A quarta dimensão é o grau de fontes de stress e de gratificação que o casal possui. A quinta é quanto os dois valorizam o projeto “casal”, e essa dimensão é muito importante, porque em nome do projeto de vida a dois é possível aceitar que não sejamos tão compatíveis, que o sexo não seja tão bom, que tenhamos algum stress, porque o objetivo é maior que tudo isso. E o sexto fator é a competência de convívio a dois, que torna o indivíduo capaz de tratar o outro com mais flexibilidade, cordialidade e diplomacia, evitando transformar pequenas divergências em brigas. Para ajustar tudo isso e acertar a fórmula, o primeiro passo é saber o que pode ou não ser mudado no seu casamento. E, em seguida, tentar melhorar o que é possível.
Que atitudes os parceiros devem ter para não limitar a vida a dois a momentos de stress e aborrecimentos?
Alguns casais estabelecem regras, como não falar de zeladorias durante as refeições ou quando saírem à noite. Até porque é muito chato os companheiros estarem no meio de um jantar discutindo quem deveria ter pago a conta do conserto da geladeira. E é difícil conseguir não falar sobre isso, porque o assunto está ali e é urgente, mas é preciso ter disciplina para não deixar que isso invada os momentos que o casal escolheu para curtir o lazer e o romantismo. Outro ponto importante é garantir que esses momentos aconteçam periodicamente e entender que, ao longo do tempo — embora as revistas e os filmes te digam o contrário —, o frisson da paixão vai diminuir. Então, acima de qualquer coisa e principalmente acima do sexo, é importante que os dois sejam grandes amigos. Que tenham prazer em estar juntos. O casamento deve ser uma relação cooperativa.
Como a desarmonia do casal pode afetar a educação das crianças?
Se um casal está em desarmonia todos os projetos dele serão afetados. Alguns pais disputam a preferência dos filhos. E a criança se aproveita disso para se beneficiar. Se o casal não consegue chegar a um consenso sobre a criação do filho, a criança encontra uma brecha para fazer as coisas que ela quer e isso pode gerar falta de limite.
Quando os parceiros devem procurar um terapeuta familiar para ajudá-los a lidar com os conflitos?
Em geral, os casais chegam à terapia seis anos depois do início do conflito. Esse tempo é excessivo. Após seis anos de desgaste, alguns já não se respeitam mais, já estão alérgicos ao outro e acumularam mágoas muito profundas. O ideal é que o casal procure a terapia logo que perceber a crise ou, no máximo, dois anos depois. Se o parceiro não quiser fazer, vá fazer a terapia individual. Mas não fique postergando o tratamento, porque o desgaste da relação corrói tudo aquilo que foi construído.