Artigos
Cris Guerra: logo após o nascimento do bebê, kit-culpa se instala na mãe
Por Cris Guerra – Ele vem junto com o bebê, embrulhadinho no pacote. Mas, convenhamos, ali tem manta, roupa, sapatinho, fralda e o escambau. O menino faz cocô, chora, mama, arrota, dorme e depois acorda pra fazer tudo de novo. Quem é que vai prestar atenção no kit – culpa que se infiltrou ali no meio desse turbilhão?
Mas sabe aquele tempinho que a gente leva pra se apaixonar por um filho? É nesse intervalinho que o kit-culpa se instala, que nem aplicativo de celular. Você nem nota.
Mesmo que você ame o seu filho mais do que a si mesma – e você vai amar. Mesmo que você faça por ele mais do que já fez por qualquer outra pessoa, inclusive por você mesma – e você vai fazer. Cedo ou tarde, você percebe que trouxe para casa, definitivamente, um arsenal de pequenas e grandes culpas em franco crescimento.
Começa quando você sai de casa pela primeira vez, entre uma mamada e outra. Desfilar por aí sem a barriga que você carregou por meses e sem levar no colo quem estava dentro dela é uma degustação do que você vai viver mais adiante. Mesmo que seja para ir à farmácia comprar fraldas. Ou para ir ao médico tirar os pontos.
O tempo passa, o fim da licença-maternidade se anuncia, e, por um segundo, você imagina que vai ser sacrificante conciliar amamentação e trabalho. Sente um remorso cortante por aventar essa reflexão. Decide que vai amamentar até ele não querer mais. E quando ele não quer mais, você pensa: o que será que eu fiz de errado?
E enquanto você faz o test-drive em sensações intermitentes de desconforto, o kit-culpa vai se revelando. É aquela sensação de que há algo de errado quando você se diverte sem o seu filho. Uma vontade de chorar quando você viaja sem ele – mesmo que seja a trabalho – e vê uma criança por perto. A certeza de que você nunca está com ele por tempo suficiente.
Com o tempo, você aprende a administrar os sentimentos que vieram no pacote e volta a seguir em frente. Afinal, você acorda, trabalha, cuida dele. Tudo o que você faz, de uma forma ou de outra, inclui o seu filho. O problema é quando ele descobre.
Um dia, o bebê já é capaz de perceber a existência sutil desses sentimentos todos e passa a se aproveitar deles. É aí que o kit-culpa assume o controle.
Como no dia em que você abre uma exceção e vai levá-lo à escola, dispensando o escolar. E o que de início gerou pulinhos de felicidade torna-se uma situação constrangedora na porta da sala de aula. Ele agarra o seu pescoço enquanto chora a plenos pulmões, como se estivesse sendo abandonado para sempre. Atrasada para a reunião, você respira fundo, se desvencilha dos oito braços da criança e marcha até o carro, implacável.
Acelera o passo para abrir logo a porta do veículo: é a sua vez de chorar. No semáforo, o motorista do carro ao lado observa o seu rosto inchado e tenta desvendar os seus gritos do outro lado do vidro. Você invoca a presença da sua mãe, que há mais de uma década já não está neste mundo, e em seguida liga para a escola, em prantos. Com a voz aveludada, a coordenadora conta que seu pequeno está brincando com os colegas, como se nada tivesse acontecido. Um misto de raiva e alívio alcança o seu coração. Ainda não é hora de ligar para o psicólogo. Não para o dele, porque talvez seja urgente uma sessão com o seu, a fim de sobreviver até a próxima crise.
Cris Guerra é publicitária, escritora e palestrante. Fala sobre moda e comportamento em uma coluna na rádio BandNews FM e a respeito de muitos outros assuntos em seu site www.crisguerra.com.br. Na Canguru, escreve sobre a arte da maternidade.
Canguru News
Desenvolvendo os pais, fortalecemos os filhos.
VER PERFILAviso de conteúdo
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita. O site não se responsabiliza pelas opiniões dos autores deste coletivo.
Veja Também
Brainrot: “Sinais de que o cérebro do meu filho estava pedindo socorro (e eu nem tinha notado)”
Sabe quando você olha para o seu filho e percebe que ele está ali… mas não está? Pois é. Foi...
Fim do ano sem surtar? O que ninguém fala sobre ser mãe em dezembro
Chegou aquela época do ano em que percebemos que estamos sorrindo por fora e acabadas por dentro... Será que dá...
E se o seu Natal iluminasse o de uma criança?
Mais de 100 mil cartas enviadas aos Correios foram adotadas em todo o Brasil. Saiba como participar
Destinos brasileiros perfeitos para entrar no clima mágico do Natal
Seja em meio às montanhas da Mantiqueira, nas luzes da Serra Gaúcha, no clima europeu de Penedo ou na grandiosidade...






