Três em cada dez crianças e adolescentes de 9 a 17 anos de todo o Brasil já enfrentaram situações ofensivas ou discriminatórias na internet, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024. O bullying cometido no ambiente virtual, seja por meio de redes sociais, aplicativos de mensagens, chats, jogos ou grupos online, é um problema global que pode ter efeitos mais nocivos do que a intimidação sistemática presencial.
“As agressões, humilhações e violência psicológica praticadas com o uso de tecnologias digitais tendem a ser mais prejudiciais, uma vez que elas não terminam quando a criança ou o adolescente sai da escola, elas continuam, atingem a vítima 24 horas por dia, se intensificam, podem alcançar rapidamente milhares de pessoas e o agressor se vale do ‘anonimato’, utiliza perfis falsos, dando a sensação de impunidade”, analisa a psicóloga e especialista em educação parental Fernanda Teles.
Os danos psicológicos podem perdurar ao longo da vida se não houver o acolhimento adequado dos pais e do colégio, além de suporte jurídico e psicológico. “A criança e o adolescente que sofrem bullying virtual se sentem sozinhos e excluídos, frustrados, têm sua autoestima abalada, podem ter comportamentos agressivos, ansiedade, depressão até pensamentos e ideação suicida. Na escola, o aluno apresenta dificuldade de concentração, resultando em queda de rendimento escolar, e perde a vontade de frequentar as aulas. É bastante comum a vítima sentir medo de ser exposta, descredibilizada e sofrer retaliação”, descreve Fernanda Teles.
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A educadora parental ressalta que os pais devem ficar atentos a mudanças no comportamento do filho e cultivar um ambiente acolhedor em casa para que ele consiga compartilhar seu sofrimento. “A escuta ativa e o diálogo aberto, sem pressa, são fundamentais para que a criança e o adolescente se sintam seguros e amados para expressar seus sentimentos e contar a situação sem medo de julgamento e punição. Os pais devem manter a calma e oferecer apoio, ensinar ao filho a usar a internet de forma segura, reunir as provas do cyberbullying para denunciar ao Conselho Tutelar ou à polícia, buscar ajuda psicológica e informar à escola”, orienta.
O papel das escolas
Por sua vez, as escolas têm um importante papel na prevenção, conscientização e identificação do bullying e cyberbullying. “O ambiente acadêmico pode oferecer apoio psicológico à vítima, aplicar medidas educativas se o agressor for da escola e buscar soluções junto à família de todos os envolvidos, além de promover palestras sobre cibersegurança e ameaças virtuais, estimular interações baseadas no respeito, na inclusão e na empatia, capacitar toda a sua equipe para identificar e lidar com casos de bullying e cyberbullying, criar canais sigilosos para que os alunos possam relatar casos dessa natureza”, sugere Fernanda.
Além da vítima, é necessário refletir sobre a criança ou o adolescente que pratica cyberbullying, pois o autor também pode estar em sofrimento. Uma pesquisa publicada na revista Journal of Medical Internet Research concluiu que vítimas de cyberbullying com menos de 25 anos têm duas vezes mais chances de se automutilar e apresentar comportamento suicida, e que os próprios agressores também são mais vulneráveis a comportamentos suicidas. O estudo de revisão sistemática, liderado pela professora Ann John, da Swansea University Medical School, analisou mais de 150 mil crianças e jovens em 30 países, ao longo de 21 anos.
“Para adotar estratégias preventivas e educativas é necessário considerar a perspectiva daquela criança ou adolescente que comete as agressões. Esse comportamento é uma reprodução do que ele vivencia e escuta dentro de casa? Reflete conflitos emocionais que ele passa no contexto familiar? Os pais ou responsáveis precisam buscar entender as motivações e criar um ambiente acolhedor e positivo, contando com apoio psicológico e da escola”, finaliza a especialista.