Os pais bem sabem como pode ser difícil acalmar uma criança quando ela está “fazendo birra”: ela não ouve, muitas vezes grita e parece incapaz de controlar suas emoções. Afinal, a birra é uma expressão da raiva dos pequenos. E, apesar de parecer uma reação desnecessária e deixar os pais desconfortáveis (principalmente em público), as birras podem ter um papel importante e gerar aprendizado para as crianças – se os pais souberem como lidar com a situação. É o que diz Rafael Guerrero, psicólogo e doutor em Educação.
Em um artigo para o jornal El País, Guerrero explica que, dependendo do modo como os pais lidam com as birras, as crianças podem tirar ensinamentos importantes desse momento. O psicólogo lembra que a raiva pode ser causada por inúmeros motivos, mas eles podem ser resumidos em três grupos principais: quando há um sentimento de injustiça por violação de direitos, quando um objetivo não é alcançado e quando alguma das necessidades básicas não são atendidas (fome, sede, cansaço).
Segundo Guerrero, a raiva é uma das emoções que mais causa sofrimento às crianças e que os pais e educadores pior sabem gerir – os adultos criam uma expectativa de que os filhos irão controlar o próprio mau humor, a própria impulsividade, a própria capacidade de lidar com a raiva, o que não acontece. E isso não acontece porque, quando uma criança (ou um adulto) sente raiva, suas amígdalas cerebrais, localizadas no sistema límbico, são ativadas. Esse sistema é conhecido metaforicamente como cérebro emocional e tem três características: involuntário, automático e inconsciente. Ele reage, ao invés de responder. Portanto, a criança não tem controle sobre a emoção e não há nada a fazer para impedir que ela apareça.
Leia também – Reconhecer as emoções: quanto mais cedo os pais começarem, melhor
O que os pais devem fazer, de acordo com Guerrero, é ensinar as crianças a diferenciar a emoção raiva do comportamento associado à raiva. Por exemplo: sentir raiva é legítimo, mas empurrar, insultar ou desrespeitar os outros não é legítimo nem admissível. É preciso explicar à criança que a emoção não é a mesma coisa que o comportamento associado à emoção. A genética se encarrega do sentimento de raiva, mas o controle da raiva é algo que precisa ser ensinado.
As birras, sendo um comportamento derivado da raiva que as criancas sentem, se encaixam nessa categoria. Mas o que ocorre durante a birra no organismo da criança? Quando a criança sente uma raiva muito intensa, as amígdalas cerebrais ficam hiperativas e liberam adrenalina e cortisol. A adrenalina causa a vontade de atacar e lutar, enquanto o cortisol (conhecido como hormônio do estresse) impede o raciocínio. Veja abaixo algumas das dicas de Guerrero sobre como os pais devem agir em relação às birras das crianças para que elas se acalmem e tirem um aprendizado da experiência.
Enquanto a birra durar :
- Permita e legitime a emoção de raiva;
- Lembre-se de que a criança não tem controle sobre sua emoção ou seu comportamento;
- Embora você queira que ela expresse raiva de outra maneira, é a melhor (e única?) maneira que ela tem de dizer que se sente com raiva;
- Se a criança quiser e permitir, abrace-a;
- Às vezes, a única coisa que é possível fazer é esperar;
- Certifique-se de que a criança não se machuque, nem machuque ninguém;
- Em resumo, acompanhe a criança.
Após a birra :
- Continue se mostrando carinhoso;
- Não leve para o lado pessoal;
- Rotule ou nomeie a emoção experimentada;
- Você pode apontar e criticar a criança por seu comportamento inadequado, mas nunca por sua emoção;
- Chegue a um acordo sobre o que pode ser feito se o mesmo ou algo semelhante acontecer novamente no futuro;
- Reforce que você já tem controle sobre seu comportamento, mas antes não tinha;
- Dê à criança uma narrativa apropriada que a empodere sobre o que aconteceu.
Leia também – Podcast para crianças traz histórias clássicas da literatura infantil
As birras são mais comuns em crianças de dois a cinco anos, aproximadamente. Há as que fazem mais birras e as que fazem menos birras, mas Guerrero destaca: é uma fase normal no desenvolvimento infantil. Com os pais capazes de gerenciar melhor as birras dos pequenos, elas podem trazer muito aprendizado. Por exemplo, as birras são essenciais para que as crianças percebam que nem tudo é possível nesta vida, que nem sempre é possível ter o que se quer. Isso ajuda a aumentar a tolerância à frustração.
A chave é que os pais saibam administrar adequadamente essas birras. Ao seguir as orientações de Guerrero, é possível diminuir níveis de adrenalina e cortisol no cérebro da criança, assim como aumentar níveis de ocitocina, conhecido como hormônio do amor. “O positivo de tudo isso é que boa parte da resolução da birra depende de nós, adultos. Se os olharmos incondicionalmente e os acalmarmos, o retorno à normalidade será mais rápido”, escreve Guerrero em seu artigo.
Quer receber mais conteúdos como esse? Clique aqui para assinar a nossa newsletter. É grátis!