Quem acompanha o portal Canguru News, já deve ter lido muitos textos falando sobre a cultura do machismo.
Todos(as) sabemos que essa cultura não é nada saudável, pelo contrário, ela é completamente destruidora.
E não é somente para o gênero feminino, mas para todos os gêneros.
Resolvi então escrever esse texto de uma forma um pouco diferente, para abordar como essa cultura prejudica a criação dos nossos filhos.
Adoro contar histórias para minha filha, então o texto de hoje será em formato de história.
Aproveitem a leitura.
A parede
Jorge sempre foi uma criança “boazinha”, não dava trabalho, sempre muito comportado.
Em sua infância não se lembrava de ter visto seu pai ou seus tios chorando, pelo contrário, seu tio mais velho sempre dizia:
Chorar não resolve problemas e homem que é homem não fica choramingando pelos cantos, vai lá e resolve o que tem que resolver.
Seu pai seguia a mesma linha de pensamento, e ensinou Jorge a ser forte e enfrentar os problemas, como um homem deve enfrentar.
Na adolescência Jorge sofreu alguns bullyings quando teve que mudar de escola, mas nunca contou para seu pai, pois ele sabia que seu pai iria o apoia-lo dizendo:
Você deve enfrentar seu medo, vai querer ficar apanhando feito viadinho para sempre!
Essa fase foi muito difícil, pois sentia que seu corpo, seu comportamento e seus valores estavam mudando, mas nunca conversou com ninguém sobre o que estava sentindo, sempre tentou resolver tudo sozinho, como um homem deve fazer.
Quando começou a namorar, gostou de muitas garotas, se apaixonou algumas vezes e sofreu sozinho milhares de vezes.
Ele sentia que havia algo errado com ele, pois nunca conseguiu dizer “Eu Te Amo” para nenhuma garota.
Já na fase adulta, começou a trabalhar e percebeu que quanto mais trabalhava, mais reconhecimento recebia e Jorge gostava de receber elogios e reconhecimento, afinal quem não gosta?
Jorge chegou a trabalhar 12 horas seguidas, só parou para se alimentar, o trabalho passou a ser sua diversão e sua fuga.
Em uma festa da empresa de final de ano, Jorge conheceu Elisa, os dois conversaram bastante, começou um relacionamento bem legal alí.
Porém Jorge não conseguia dizer a Elisa que a amava, apesar de achar que sentia isso.
Conviveram com esse relacionamento durante 2 anos, Elisa sentia que Jorge era um homem sensível, mas que não conseguia colocar essa sensibilidade para fora.
Ela tentou inúmeras vezes fazer com que Jorge falasse sobre seus sentimentos com ela, mas Jorge sempre se esquivava.
Quando Jorge e Elisa resolveram se casar, os primos de Jorge se reuniram e deram uma despedida de solteiro para ele.
Jorge sentia que não queria, mas como todo homem que precisa mostrar sua virilidade, aceitou. Depois de sair da sua despedida, sentiu vergonha, remorso e raiva, mas engoliu tudo isso e sorriu para seus primos.
Elisa e Jorge compraram um apto pequeno e começaram a construir uma família, mas Jorge nunca ajudou muito com os afazeres de casa, seu pai e seus tios ensinaram a ele que homem não faz trabalhos domésticos, a função do homem é trazer dinheiro para casa.
Pouco tempo depois de se casarem, Elisa conta para Jorge que ele iria ser pai!
Jorge fica extremamente feliz e pela primeira vez em sua vida adulta ele consegue chorar.
Jorge faz mil planos para sua paternidade, imagina como será seu filho ou filha.
Mas duas coisas não fogem da sua mente:
- Não quero dar ao meu filho, a mesma criação que recebi.
- Como vou trazer mais dinheiro para casa, afinal precisamos de um apto maior e crianças dão gastos.
Jorge, mergulhou no trabalho e não ia nas consultas de pré-natal com Elisa, mas depois do trabalho, sempre perguntava como havia sido a consulta.
Elisa passou boa parte da sua gestação vendo Jorge somente no final da noite e ele perdeu o crescimento da barriga. Jorge se preocupava muito em trazer o sustento para sua casa, afinal era obrigação dele fazer isso.
No dia em que Jorge chorou pela segunda vez foi o dia em que a pequena Clara veio ao mundo.
Não preciso contar que o puerpério foi tenso para Elisa.
Jorge na sua maior boa intenção, queria participar dos cuidados com a pequena Clara, mas como ele não havia se preparado para isso, ele estava gerando mais cargas mentais do que realmente ajudando.
Depois do puerpério o relacionamento de Jorge e Elisa já não era mais o mesmo, muitas brigas e discussões.
Elisa propôs uma terapia de casal, mas Jorge tinha medo e esquivava dizendo que isso era coisa de gente que não se amava mais.
Jorge dizia:
– Vamos resolver isso juntos sem essa terapia, pelo bem da Clara.
Jorge tentou ao máximo mudar, sempre evitando a terapia, tentou ser um pai mais presente e participativo, mas sua ancestralidade era muito forte e sem ajuda externa Jorge não conseguia ser mais do que ele podia ser.
Um dia, quando a pequena Clara já tinha 4 anos, Elisa chegou para Jorge e disse:
– Acabou! Não posso viver mais assim. Amanhã vou para casa da minha mãe e a Clara vem comigo.
Jorge ficou branco, sentiu suas pernas tremerem e seu coração disparou, mas ele não quis chorar na frente da Elisa, então foi para seu quarto.
Um tempo depois a pequena Clara entra em seu quarto e pergunta se pode dar um abraço nele, Jorge ergue seus braços e abraça Clara bem forte.
Clara então sente algo duro no meio do peito de seu pai, ela olha bem mais de perto e descobre que existe uma parede enorme feita com muitos e muito tijolos, protegendo o coração do seu pai.
Ela fica assustada, nunca havia notado uma parede no meio do peito de seu pai, ela olha um pouco mais de perto e percebe que existe uma pequena rachadura, com uma luz bem fraquinha saindo dentro dela.
Quando Clara chega perto da rachadura vê um pequeno menino preso no meio da parede. Ela então começa a quebrar um pouco mais a rachadura e encontra o menino segurando um choro de muitos anos.
Ela olha para seu pai e diz:
Papai, pode chorar agora, eu estou aqui.
LEIA TAMBÉM