Por Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein – A semelhança entre os sintomas que a gripe e a Covid-19 provocam já causou bastante confusão desde que o coronavírus começou a se espalhar pelo mundo, ainda em 2019. No entanto, desde o final de 2022, alguns países registraram um aumento no número de casos de uma terceira doença que se manifesta de maneira similar: o vírus sincicial respiratório (VSR).
Mais comum em crianças, o VSR provoca sintomas parecidos com os de um resfriado, e atinge 1 a cada 56 bebês antes de completarem um ano, segundo dados de um estudo conduzido na Europa e publicado pelo periódico The Lancet. Apesar de ser pouco agressivo na maioria dos casos, o VSR é capaz de causar complicações, especialmente em bebês e idosos, que têm o sistema imunológico mais frágil.
No final de 2022, especialistas lançaram um alerta para o aumento dos casos de VSR nos Estados Unidos e no Canadá, e para os riscos de uma convergência de três epidemias concomitantes. Em novembro, o Fórum Econômico Mundial reforçou o assunto e publicou um artigo destacando os riscos da chamada “tripledemia”, com o coronavírus, a Influenza e o VSR circulando ao mesmo tempo.
Um dos pesquisadores que chamou atenção para esse problema foi o diretor da Unidade de Biocontenção do Hospital Johns Hopkins, Brian Garibaldi. Desde outubro do ano passado, Garibaldi acompanhou o aumento nos registros das três doenças no hospital de Baltimore, considerado um dos mais importantes dos Estados Unidos.
“Nós tivemos uma temporada de vírus respiratórios realmente muito intensa, e foi ocorrendo em ondas. O que é particularmente complicado é tentar fazer o diagnóstico, porque os sintomas de RSV, gripe e Covid podem ser muito semelhantes. Pode ser realmente desafiador em um país que não tenha uma boa capacidade de testagem e monitoramento”, disse Garibaldi, em entrevista exclusiva à Agência Einstein.
Dados do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) confirmaram o aumento na circulação dos três vírus simultaneamente nos Estados Unidos, mas, felizmente, o pior momento de cada doença não ocorreu ao mesmo tempo.
No entanto, Garibaldi explica que é preciso investir em sistemas eficazes de testagem e vigilância de doenças respiratórias para evitar um cenário mais trágico em outros países. O médico também destacou quais aprendizados da pandemia de Covid-19 podem servir de lição para 2023.
Veja os principais trechos da entrevista abaixo:
Agência Einstein – No final de 2022 surgiu um alerta de que os EUA poderiam enfrentar uma ‘tripledemia’ com a convergência do aumento de casos de gripe, Covid-19 e do vírus sincicial respiratório (VSR). Isso realmente aconteceu?
Brian Garibaldi – A resposta é sim, nós tivemos uma temporada de vírus respiratórios realmente muito intensa, e foi ocorrendo em ondas. Felizmente, isso já começou a diminuir na maior parte do país. Mas vimos muitos pacientes idosos entrarem na UTI com Influenza bem quando o VSR estava diminuindo, e isso aumentou o peso no sistema de saúde.
Houve uma onda inicial no final do outono e no início do inverno onde vimos altos picos de RSV. Tínhamos leitos pediátricos que estavam sendo sobrecarregados pelo número de crianças doentes nos departamentos de atendimento de urgência e emergência. Muitos hospitais tiveram que cuidar de pacientes pediátricos em espaços de adultos porque simplesmente não tínhamos capacidade de UTI para cuidar de tantas crianças doentes ao mesmo tempo.
Felizmente, isso começou a diminuir, mas bem no final da queda do VSR, foi quando os casos de gripe começaram a aumentar nos EUA. Eles agora estão caindo na maioria dos estados, mas nós tivemos uma onda muito forte de internações por Influenza.
O que é particularmente complicado é tentar fazer o diagnóstico, porque os sintomas de VSR, gripe e Covid podem ser muito semelhantes. Pode ser realmente desafiador em um país que não tenha uma boa capacidade de testagem e monitoramento.
O problema que estamos vendo agora em muitos lugares nos EUA é um aumento na Covid. Vimos um grande aumento agora, não apenas no número de casos positivos de Covid, mas também no de pacientes internados. Ainda assim, não é nada comparado ao que tivemos em janeiro passado, quando houve o grande surto de Omicron, mas definitivamente há um aumento palpável na quantidade de pacientes com Covid hospitalizados.
A boa notícia é que a vacinação está prevenindo casos graves. Os pacientes que vemos nas UTIs, no geral, são pacientes com problemas anteriores no sistema imunológico, e ainda vemos ocasionalmente pacientes não vacinados. Infelizmente, essas pessoas não vacinadas ficam gravemente doentes com mais facilidade porque não conseguem lidar com as cepas atuais da Covid, que são mais infecciosas.
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Como os aprendizados da pandemia e, especialmente, dessa circulação tripla de doenças respiratórias nos Estados Unidos podem servir de lição para outros países do mundo agora em 2023?
Os padrões e a sazonalidade que vimos no VSR, em particular, foram muito diferentes do que vimos nos anos anteriores, pelo menos nos EUA. Acho que há potencialmente várias razões diferentes para isso, e essa pode ser uma lição para outros países.
Em primeiro lugar, não tínhamos registrado muitos casos de VSR durante a pandemia porque as pessoas usavam máscaras e praticavam o distanciamento social. Nós vimos que essas medidas contra Covid também foram muito eficazes também na prevenção da propagação do VSR. Então, agora, o que estamos vendo são pessoas infectadas que não foram expostas a esses vírus nos últimos três anos, e isso levou a uma mudança na sazonalidade que ainda não está clara para os pesquisadores.
Neste ano, a temporada de doenças respiratórias na Costa Leste dos Estados Unidos começou um mês ou até dois meses antes do que nas temporadas anteriores. Não está claro se isso é algo que vai continuar no futuro.
Certamente no Hemisfério Sul poderia acontecer uma mudança de sazonalidade nesse sentido. Então, acho que temos sinais de alerta de que teremos, também em outros países, a temporada de gripe mais cedo e um pouco mais agressiva, como a que vimos nos Estados Unidos.
Outra lição importante é a de que a Covid-19 claramente ainda não acabou. As atuais sublinhagens da ômicron que estão circulando são provavelmente as mais infecciosas de todos os tempos.
Acho que há motivos para ser pelo menos cauteloso sobre o que pode acontecer agora que centenas de milhões de pessoas infelizmente serão infectadas na China. O que isso significa em termos de oportunidade para uma nova variante surgir e quais seriam as implicações da nova variante?
Mesmo que algo assim aconteça, minha esperança é a de que possamos rapidamente atualizar nossas vacinas para isso. Até agora não vimos sinais claros de resistência aos atuais antivirais que estão no mercado. Então isso é outro bom sinal.
Como os países ao redor do mundo poderiam se preparar para eventuais surtos como esse no futuro? Você acha que há espaço para reinstaurar o uso obrigatório de máscaras, por exemplo?
Espero que tenhamos aprendido a lição de que agora podemos dizer “Oi, há altos níveis de infecção em sua comunidade. Talvez seja hora de colocar em prática medidas para tentar reduzir o contágio e proteger os mais vulneráveis”, sabe?
Eu não acho que isso vai voltar a ser uma obrigatoriedade nacional em qualquer país, mas eu, pessoalmente, não teria nenhum problema com um departamento de saúde local sugerindo máscaras em ambientes lotados quando a circulação estiver alta na minha região, por exemplo.
Acho que o maior apelo para o uso de máscaras claramente está em um nível mais baixo. Era muito mais fácil dizer: “Ei, não há vacina para esta nova doença e todos corremos o risco de contrair uma infecção grave ou morrer”. Esse foi um argumento muito mais convincente para usar uma máscara do que dizer, hoje em dia, algo como: “Ei, há altos níveis de transmissão desse vírus em sua comunidade, então coloque uma máscara para proteger as pessoas mais vulneráveis de serem infectadas”.
Mas a ciência já mostrou claramente que essas medidas de distanciamento social e de uso de máscaras funcionam e, embora eu ache que ninguém está animado para voltar a usar uma máscara o tempo todo, acho que muita gente não teria nenhum problema em retomar se houver índices que dizem que o nível de risco está maior.
Outra lição que aprendemos é que obviamente houve muita controvérsia sobre vacinas contra a Covid, muita desinformação, e isso realmente enfraqueceu o número de pessoas que estão sendo vacinadas para outras doenças.
Em alguns lugares, nós estamos vendo doenças que não deveriam ser muito comuns surgindo novamente, como surtos de sarampo. Está muito claro que a vacinação infantil diminuiu durante a pandemia e muitas doenças estão voltando agora, então acho que precisamos ter um foco reforçado em garantir que as pessoas entendam quais vacinas estão disponíveis e, no caso da Covid-19, que recebam os reforços necessários.
Outra lição é pensar não só no que está acontecendo em nossas próprias comunidades, mas também no que está acontecendo no mundo todo. Hoje, um vírus que aparece em qualquer lugar do mundo é uma ameaça potencial à saúde de qualquer país. Portanto, precisamos garantir que entendemos essa lição também na hora de fornecer vacinas para aqueles que não estão dentro das nossas próprias fronteiras, por exemplo.
Você acha que o nível de responsabilidade pessoal diminuiu em relação à propagação da Covid-19?
Eu acho que as pessoas certamente ainda estão atentas, e conscientes de que seus comportamentos trazem riscos, mas o nível de risco pessoal mudou para muitas pessoas por causa do surgimento das vacinas e tratamentos.
Eu não diria que o nível de responsabilidade pessoal diminuiu, mas a percepção das pessoas mudou. Elas ainda estão dispostas a fazer mudanças, mas não estão necessariamente percebendo o risco como deveriam, porque não estamos comunicando bem quais são os riscos atuais.
É por isso que acho que é importante continuar a lembrar as pessoas sobre o que está acontecendo onde elas moram e no mundo. Este é um grande desafio que vemos e ainda estamos aprendendo a lidar com isso.
Obviamente, essa situação também têm razões por trás que vão além da saúde. Todas as questões políticas que vimos nos EUA e no Brasil, por exemplo, coisas em comum nesses dois países, têm muito a ver com desinformação. Então essa desinformação também afeta a sensação de risco e a percepção de responsabilidade de cada um.
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