Assunto polêmico e delicado, o transtorno do déficit de atenção, com ou sem hiperatividade (TDA e TDAH), é um dos motivos que mais leva mães e pais a consultas com psiquiatras infantis e psicanalistas.
O transtorno costuma aparecer na infância e se estender à vida adulta, mas não tem um diagnóstico preciso. Dificuldade em prestar atenção, se concentrar e controlar comportamentos impulsivos, além do excesso de atividade (ser hiperativo) são alguns dos sintomas associados ao TDAH.
O livro Todos hiperativos? A inacreditável epidemia dos transtornos de atenção, do psiquiatra e psicanalista francês Patrick Landman, questiona a expansão do número de casos de TDAH pelo mundo. Aborda também o uso sistemático do psicoestimulante metilfenidato, presente na Ritalina, medicamento muito comum no tratamento dessa condição, ainda que sem consenso quanto ao seu uso. Landman coordena na Europa o movimento “Stop DSM!”, que critica o livro de referência da psiquiatria norte-americana, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
Estima-se que o TDAH atinge cerca de 5,3% das crianças entre 4 e 17 em todo o mundo. Número semelhante ao do Brasil, onde calcula-se que 5% das crianças em idade escolar têm o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Já nos Estados Unidos, esse problema atinge 11% das crianças nessa faixa etária, das quais mais da metade é tratada com medicamentos.
No livro, de 2015 mas traduzido para o português em 2019, o autor francês diz que até agora não há comprovação científica das várias hipóteses que buscam explicar o que causa o transtorno. Isso porque seus sintomas não são específicos e não apresentam indicadores biológicos.
Contexto familiar e social deve ser considerado no diagnóstico
“Sem deixar de reconhecer as dificuldades de tratamento que muitos casos apresentam na clínica com crianças, Landman lastima que os ‘defensores’ do TDAH não considerem os fatores psíquicos e sociais para a avaliação do quadro de seus pacientes.” A afirmação é de Marco Antônio Coutinho Jorge, psiquiatra, psicanalista e professor associado do Instituto de Psicologia da UERJ , que analisou o livro do médico francês em artigo para a Folha de São Paulo. Segundo ele, é fundamental insistir junto aos médicos e psiquiatras que as desordens mentais e comportamentais, em geral, não se devem exclusivamente a distúrbios orgânicos.
O contexto familiar e social em que uma criança ou um adolescente apresenta sinais de hiperatividade e déficit de atenção pode ser significativo e revelar um quadro reativo a fatores externos – e, não, relacionado a uma patologia.
Enfatizar a causa orgânica reforça o tratamento medicamentoso – e o papel dos laboratórios farmacêuticos na disseminação dessa crença não é pequeno, recorda o professor da UERJ. “Eles financiam estudos que acabam propagando avaliações tendenciosas, ou seja, favorecem a seleção de resultados e dificultam a publicação dos considerados negativos”, afirma o professor.
As consequências do tratamento com Ritalina podem incluir problemas cardiovasculares ou atraso no crescimento, explica o psicanalista Alfredo Gil, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e da Association Lacanienne Internationale (ALI), em outro artigo sobre o assunto.
Ele finaliza afirmando que, assim como conclui Landman no livro, não é exagero dizer que na psiquiatria orientada pelo DSM (livro de referência da psiquiatria norte-americana), inventam-se doenças para, em seguida, aparecerem fórmulas supostamente aptas a curá-las.
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