A criança e o medo

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    A criança e o medoNa recepção de uma clínica médica espero o horário de meu exame observando, enquanto folheio uma revista, uma menina. Tinha no máximo 3 anos e, como toda criança, estava se divertindo ao explorar as possibilidades daquele ambiente diferente: subia nas poltronas, corria até a porta para espiar, dava pulinhos de entusiasmo. A mãe, por duas vezes, pediu que ficasse quieta, sem sucesso, como era de esperar.

    Em determinado momento, o movimento exploratório da menina foi interrompido por uma frase que teve o poder de freá-la: “Aquela moça está vendo, e se continuar assim ela vai te dar uma injeção!” A pequena se deteve, olhou a mãe nos olhos, como se tivesse sentido o impacto de tais palavras e voltou para perto dela, com receio de que a ameaça se concretizasse. Não houve tentativa de explicar à criança os porquês do que lhe era pedido, muito menos se tentou oferecer a ela algo mais interessante a fazer. Essas poucas palavras, que não correspondiam à verdade, cumpriram o papel de freá-la, mas o impacto continuava em mim. Quantas vezes já vi essa cena se repetir em diferentes termos: o “homem do saco vai te pegar”, “ali tem bicho-papão, monstro, bruxa” etc. São muitas as formas, mas sempre o mesmo resultado: onde antes havia interesse passa a existir o medo, a inibição.

    Olhando aquela criança, pensei: para que mentir? Ameaçar com fatos irreais? Por que não explicar a verdade, estimular pelo bem? O medo altera a conduta, consegue o resultado aparente, sem que haja a compreensão do motivo pelo qual se deve mudar o comportamento.

    Como educadora perguntei-me por que a cultura, que espera jovens valentes e interessados por aprender, estimula que desde pequenos sua liberdade seja limitada por nós, adultos, com mentiras que colocam medo. Será para nos poupar o trabalho de explicar, explicar…, quantas vezes for preciso, até que a criança compreenda a verdade?

    Revendo a história da humanidade, pude identificar, ao longo de séculos, diversos episódios em que o medo e a ameaça foram utilizados como recurso para conseguir o que se queria dos demais. O que passou despercebido é que a mente da criança, treinada a frear-se pelo medo, será a mesma mente que, no adulto, precisará de liberdade para pensar. Sou chamada para ser atendida e continuo pensando no assunto… Perguntei-me: e você, professora? Como faz com seus pequenos alunos? Com essas reflexões saio apressada do consultório, afinal, dentro de pouco tempo meus alunos chegariam à escola, cheios de vontade de aprender.

    Trato então de fazer o que posso com os meus 31 alunos, afastando a tendência a querer o fácil, alimentando o gosto por explicar os porquês. Crio formas para que façam ou não as coisas por compreender sua essência e não por medo ou ameaça. Não tenho dúvida de que atuar dessa forma dá mais trabalho ao educador, exige paciência e tempo, mas não conheço maior emoção do que ver seres tão pequenos começar a usar a própria inteligência com liberdade para compreender o mundo e reger a própria conduta, fazendo escolhas no sentido do bem.

     

    Carla Marques

    Carla Marques Nagem de Abreu Chagas

    é educadora e professora da Fundação Logosófica de Belo Horizonte. 

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