Por Rafaela Matias – Uma das mais importantes celebrações de nosso calendário, a Páscoa teve sua origem no Pessach, quando os judeus recordam a saída do Egito e o fim da escravidão do povo hebreu. Já os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus Cristo. A data é comemorada sempre no primeiro domingo após a lua cheia que sucede o equinócio vernal — quando começa a primavera no Hemisfério Norte e o outono no Hemisfério Sul —, podendo cair entre os dias 22 de março e 24 de abril. Além da infinidade de guloseimas e coelhinhos que tomam as prateleiras dos supermercadosura dos coelhinhos que enfeitam a cidade, a festa tem uma rica mensagem de renovação e rende deliciosos almoços em família. As crianças estão contando os dias para botar a cenourinha na janela e esperar pela chegada do coelhinho. Aliás, não só as crianças. Para as quatro famílias entrevistadas por Canguru, são tantas as lembranças que o chocolate chega a ser um mero (mas saboroso) coadjuvante.
De volta à infância
Quando criança, a gastrônoma Luiza Fiorini e os outros seis netos de dona Elinete sonhavam com o domingo de Páscoa. Toda a família acordava cedo e se reunia para seguir as pegadas do coelhinho. A garotada saía à procura dos ovos que a avó escondia pela casa e se deliciava. A festa era tanta que dona Elinete decidiu construir uma casa em Santa Luzia para ter um espaço sob medida quando a família se reunisse. E até hoje a turma mantém o mesmo ritual. As crianças cresceram, se tornaram pais e mães e convenceram tios, avós, genros e noras a continuarem a brincadeira para passar aos quatro bisnetos a alegria da Páscoa dos Fiorini. Foi quando Luiza teve a ideia de produzir os próprios ovos, com a ajuda de todos. “Assim não incentivamos o consumo excessivo e estreitamos ainda mais os laços de carinho entre nós”, conta. “Nos sentimos crianças novamente.”
O verdadeiro sentido
A nutricionista Juliana Lima não escolheu a profissão à toa. Quando pequena, ela era a caçula da família e ganhava tantos ovos de chocolate que chegava a ter reações alérgicas pelo excesso de consumo do doce. Mas, com o tempo, as guloseimas deixaram de ser protagonistas de sua Páscoa e ela passou a valorizar a data principalmente pelo significado religioso. “Continuo gostando de ganhar doces e amo o nosso almoço em família, mas o principal para mim é agradecermos juntos a Deus e celebrar a vitória de Jesus Cristo sobre a morte”, explica. “O objetivo da Páscoa é dar a certeza do que Deus fez e faz por nós.” Esses são os ensinamentos que ela tenta passar para a pequena Manuela, a Manu, sua filha de 3 anos, que adora saborear os ovos que o coelhinho deixa, mas sabe que o mais importante é agradecer ao Papai do Céu.
Uma semana de festa
Aos 16 anos, o vendedor Rodrigo Caetano decidiu conhecer melhor os ensinamentos do judaísmo e se aprofundar na história de sua família, de ascendência judaica. Isso afetou diretamente a sua vida e também a sua Páscoa. Quando criança, ele costumava celebrar o dia do coelhinho como um cristão convencional, com ovos de chocolate e reuniões familiares. Bem diferente de hoje. Há 8 anos, ele e a mulher, Paloma, passaram a fazer a Páscoa judaica, chamada de Pessach, que acontece em uma data diferente da tradicional e tem como centro a libertação do povo hebreu. Junto com o filho Asafe, de 6 anos, e outras famílias judaicas, eles celebram por 7 dias, do pôr do sol do dia 22 de abril ao anoitecer do dia 30. “É um momento para lembrarmos que ficamos livres da escravidão egípcia e refletirmos sobre o que temos feito com a liberdade adquirida. É a celebração mais importante da cultura judaica”, explica Caetano. Em vez de um almoço, o Pessach é centrado nos jantares e conta com comidas e símbolos típicos. Mas nada de coelhinhos e ovos de chocolate. “O vinho remete à alegria. O matsá, que é o pão sem fermento, representa a pressa com que os judeus deixaram o Egito. O maror, que são ervas amargas, lembra os anos de amargura do povo hebreu (e causam problemas na hora do jantar, já que a maioria das crianças se recusa a comer). O hassoret, uma mistura doce feita de frutas e vinho, representa tradicionalmente a massa com que os judeus trabalhavam para fazer tijolos”, explica Caetano. “Essa refeição é importante porque me lembra quem sou, quem eram meus antepassados e quem serão meus descendentes.”
Versinhos como pista
“Meninas comportadas, faceiras e de bom coração / Chegou a Páscoa mais uma vez em nosso ninho / Se procurarem a próxima pista perto do fogão / Terão uma surpresa feita por mim, o Coelhinho”. É com um poeminha assim que começa a Páscoa na casa do servidor público Juarez Eduardo de Souza. Antes de todo mundo acordar, ele esconde os ovinhos de chocolate e espalha algumas pistas, escritas em forma de versinhos, para que as filhas Ana Flavia e Deborah, a esposa Ana Luiza e a neta Maria Fernanda, de 3 aninhos, procurem juntas. A ideia surgiu quando as filhas ainda estavam aprendendo o bê-á-bá e Souza queria dar uma forcinha. “Foi uma forma de conciliar a Páscoa com um estímulo à alfabetização. Sempre escrevi muito para elas, mesmo antes de entenderem”, lembra. Valeu a pena. As duas aprenderam a ler perfeitamente e entenderam o significado da data cristã, que prega o renascimento, de uma forma descontraída e animada. O melhor é que, mesmo com o passar dos anos, os poemas continuaram adoçando a Páscoa da família e recheando de versinhos as caixinhas de recordação. “Guardo todos para ter de lembrança. São lindos”, conta Ana Flavia, mãe da Maria Fernanda. “Essa se tornou uma das mais deliciosas tarefas da vida. O interesse e o encantamento no rosto delas, mesmo depois de adultas, me fazem não querer parar nunca de escrever os versinhos de Páscoa. Agora tenho um estímulo a mais, que é a minha netinha.” Para a pequena, a cestinha que a aguarda no fim das pistas é recheada de chocolates sem glúten e frutas, para não prejudicar a saúde e poder manter por muitos anos a tradição criada pelo vovô.
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A origem das tradições
Além dos hábitos que as famílias passam por gerações, existem símbolos que estão presentes em boa parte das casas durante a celebração da Páscoa cristã. O teólogo e sociólogo Adilson Schultz, professor no departamento de religião da PUC Minas, explicou como surgiram alguns deles.
Em culturas de todo o mundo — como a da China, da Pérsia e de países da Europa antiga —, o ovo era utilizado em festas religiosas para representar a renovação da vida e os cultos à fertilidade. No século XVIII, o cristianismo incorporou o símbolo para celebrar a Páscoa, representando o renascimento de Jesus. No início, eram usados ovos de galinha decorados, mas comerciantes passaram a produzir ovos de chocolate, e a ideia caiu no gosto do povo.
O mais provável é que a tradição cristã tenha se inspirado nas religiões europeias para usar o símbolo do coelho. Nelas, havia uma divindade ligada aos cultos de fertilidade, que, além de botar ovos, aparecia sempre ao lado de um coelho para celebrar o início da primavera. Além disso, o animal é tido historicamente como um símbolo de fertilidade, por sua capacidade reprodutiva.
Embora tenha se enfraquecido com o tempo, a tradição de comer carne de cordeiro na Páscoa ainda existe para algumas famílias. Antes da incorporação do coelho e dos ovos, esse animal era o principal símbolo da celebração. Apoiados na tradição judaica, os cristãos sacrificavam cordeiros para comemorar a data e marcar o sacrifício de Jesus.
O peixe também é um alimento muito consumido nessa época, especialmente porque a carne vermelha é evitada por algumas pessoas. O animal é tido como símbolo do próprio cristianismo e o seu desenho já foi usado até mesmo para identificar locais de oração.
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