Embora não tenha sido planejado, tive que voltar ao trabalho quando Francisco tinha 50 dias de vida. Dar ao bebê a primeira mamadeira de Nan foi inaugurar o passo que iria secar não só o meu leite, mas os sonhos cultivados por anos. Isso, até que eu entrasse no supermercado naquele mesmo dia: diante das prateleiras repletas, entendi que o leite em pó poderia me representar divinamente em casa, enquanto eu deslizava sem pressa por aqueles corredores enormes como quem patina no gelo. Percorrer as gôndolas sem o peso da barriga e examinar minuciosamente o rótulo de cada produto trazia uma colorida sensação de reencontro comigo, enquanto o meu maior presente me aguardava seguro em casa. A ideia de completude com liberdade tinha lá o seu encanto: era um alívio a sensação de não ter que voltar correndo.
Antes, nove meses comendo por mim e por ele, fazendo de cada troca de posição uma baliza em pleno sono, pensando duas vezes a cada escolha que outrora parecia simples e trivial. Era estranho e ao mesmo tempo libertador voltar a carregar apenas a mim mesma. Meu laço com o Fran iria muito além do cordão.
Em casa, Marisa Monte embalava as nossas noites. Culpa e cansaço sambavam lindamente enquanto dançávamos de rosto colado, o universo ao nosso redor. Quando ele adormecia, grudado a mim como um coala, eu seguia percorrendo a sala vazia, grávida de amor e música.
Ser mãe não é para os fracos. Aprender a ser coruja sem perder o humor nem o entusiasmo, pautando o sono pelo adormecer do bebê. Dar o peito e ouvir arrotos como se fossem fogos de artifício. Varar a madrugada tentando aplacar as cólicas de um bichinho que chora a plenos pulmões. Tudo isso depois de meses em que o sono já não é mais o mesmo, muito menos o corpo, nunca mais a vida.
Ter um filho é o gesto transformador de estender a mão para não mais recolhê-la. Um disparate, um exagero, uma loucura. Amor tão forte e assustador, que pede ausência, vez por outra. Para evitar a ilusão de que a nossa presença é o maior alimento.
A maternidade sublinha o feminino com linhas grossas e definitivas. Para compensar, pede risadas, gritos, arroubos e uma generosa porção de Chico, para fazer samba e amor até mais tarde.
O sonho secreto de toda mãe é uma folga comprida, caminho sensato para a sobrevivência que passa longe da falta amor. Um ritual de recarregamento da bateria espessa de que é feito o dia a dia de quem não vive só para si. Ligada a uma espécie de tomada, tudo o que uma mãe quer por algumas horas é que embale Mateus quem não o pariu. Para poder caprichar no batom e na máscara de cílios, correr para uma pista de dança cheia de gente e embalar, não um bebê, mas uma noite inteira no mais genuíno rock’n’roll.
Cris Guerra é publicitária, escritora e palestrante. Fala sobre moda e comportamento em uma coluna diária na rádio Band News FM e a respeito de muitos outros assuntos em seu site www.crisguerra.com.br. Na Canguru, escreve sobre a arte da maternidade.