Por Rafaela Matias – Imagine a cidade de Belo Horizonte há 100 anos. Árvores por todos os lados, jardins tão compridos quanto avenidas e a maioria esmagadora da população fazendo das próprias pernas o principal meio de transporte. Pouco se parece com o turbilhão de veículos automotivos que atualmente circulam por entre as árvores remanescentes. Nem é necessário viajar um século no passado para perceber que a troca da grama pelo concreto é algo progressivo. Cerca de trinta anos atrás, a cobertura verde da cidade era pelo menos 30% maior do que a que vemos hoje, segundo um estudo do Instituto de Geociências da UFMG.
Mais do que saudosismo, a preocupação com a redução da área verde da capital mineira diz respeito à saúde, especialmente dos pequenos, que ainda estão se desenvolvendo. Já é senso comum que correr por um gramado contribui para a coordenação motora da criança de maneira muito mais satisfatória que ficar em casa assistindo à TV. Mas estudos recentes, que começaram nos anos 90, mostram que o contato regular com a natureza (pelo menos uma vez a cada sete dias) também influencia — e muito — no bom desenvolvimento intelectual durante a infância.
Um deles, realizado com crianças de escolas primárias de Barcelona e publicado em 2015 na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, mostrou a relação entre o convívio frequente com espaços verdes e o desenvolvimento cognitivo infantil. O resultado das análises foi surpreendente, apresentando uma melhora de 20% a 65% na memória de trabalho — responsável pela capacidade de memorização que permite o aprendizado da tabuada e das horas, por exemplo — das crianças que passavam mais tempo em meio à natureza. Além disso, o estudo mostra que aprendizes com boa memória de trabalho têm 80% mais chance de apresentar um bom desenvolvimento escolar. Parece que correr por entre as árvores é mais que uma simples brincadeira, não?
Em entrevista à BBC Brasil, o escritor americano Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, diz que, nos Estados Unidos, vários especialistas da área da saúde já se dão conta dos efeitos negativos do que ele chama de transtorno de déficit de natureza. “Vejo cada vez mais profissionais começando a prescrever ‘brincar no parque’. Prescrever mesmo, por escrito”, diz. Além disso, ele afirma que em algumas partes daquele país já existem associações de médicos que usam o mapeamento das áreas verdes de sua cidade para alertar os pais: “Tem um bosque a duas quadras da sua casa, portanto não há desculpa para não levar seu filho lá duas vezes por semana”.
Em Belo Horizonte, um médico segue caminho parecido. Interessado pelos números apontados pelas pesquisas estrangeiras, o psiquiatra José Belizário, doutor em saúde e educação pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, passou a receitar o convívio com o verde a seus pacientes e já nota os resultados na prática. “Atendi uma criança com suspeita de autismo e, antes de fechar o diagnóstico, pedi aos pais que a levassem por alguns dias para a fazenda da família. Ela voltou com um comportamento totalmente diferente, que mostrou que, de fato, não havia um problema psíquico”, relata o médico.
Segundo Belizário, isso acontece porque o cérebro humano ainda não se adaptou à urbanização e depende do contato com a natureza para manter o corpo em equilíbrio. “Ouvir o barulho da água, por exemplo, indica ao sistema nervoso central que estamos em um local seguro, com abundância de alimentos e onde não haverá sede”, explica.
Não basta um jardim
É importante ressaltar, contudo, que um pequeno jardim não configura contato com a natureza. Um dos estudos utilizados pelo psiquiatra mostra que a presença de árvores, água e grama torna a experiência mais eficiente do que aquela que privilegia componentes decorativos, como as flores. Por isso, espaços verdes com algum fluxo de água são os mais indicados para que o cérebro passe pelo processo de restauração que permitirá maior capacidade de atenção e, consequentemente, de aprendizado. “Se você leva seu filho para o sítio no fim de semana que antecede uma prova, é possível que ele tenha um desempenho melhor”, afirma o psiquiatra. Além disso, a amplitude que permite à criança correr, subir em árvores e explorar ambientes também apresenta desafios cognitivos que dificilmente seriam encontrados em outros meios.
Sabendo disso, algumas escolas já mostram interesse em proporcionar aos alunos algum contato com o verde, mas, para Belizário, ainda não existe nenhuma em Belo Horizonte que ofereça um nível satisfatório de aulas ao ar livre. “Há países em que 80% das aulas acontecem fora da sala. Aqui, infelizmente, não temos exemplos disso”, afirma.
Por enquanto, então, cabe aos pais aproveitarem as horas de descanso para passear com os filhos em locais onde é possível sentir um pouco da natureza na cidade (veja quadro abaixo, com dicas do médico José Belizário). Casas de campo, sítios e fazendas no interior também são ótimas opções para visitar aos fins de semana, nas férias e em feriados. Além de ajudar a colocar o sono em dia devido à redução de ruídos, proporcionam uma imersão que certamente vai fazer com que o seu pequeno aprenda coisas novas da forma mais relaxante possível. E lembre-se: ainda que pareça brincadeira, esse aprendizado é tão importante quanto aquele da escola.
Bons exemplos
Mesmo com a correria do dia a dia e as imposições da cidade grande, algumas famílias belo-horizontinas demonstram preocupação em criar rotinas que incluam a natureza na vida dos pequenos. Canguru convidou quatro delas para contar um pouco como conseguem fazer do contato com o verde uma prioridade na vida dos filhos. Inspire-se!