Por Thais Alencar
A oportunidade de gerar e gerir um novo ser é uma das mais ricas experiências que podemos ter, quiçá a maior delas. Conviver com meus filhos tem sido um grande aprendizado. Vejo-me, em vários momentos, contagiada pelo encantamento de suas descobertas, ou com seus estranhamentos. Pego-me, então, refletindo sobre o porquê de as coisas serem como são.
Esse processo de autoanálise e autocrítica leva-me a compreender que cada um de nós reproduz práticas culturais arraigadas sem perceber os motivos que nos levam a fazê-lo. São comportamentos que assimilamos através da convivência com os pares do nosso meio sociocultural. Desde a barriga de minha mãe, aprendi como as coisas deveriam ser, e minha mãe com sua mãe, e assim por diante. Houvesse eu nascido num país muçulmano dificilmente estranharia usar um véu. Se vivesse numa tribo indígena, jamais pensaria em comprar um enxoval repleto de supérfluos para um bebê.
Quando tiramos do nosso olhar o peso do julgamento, ensinamos aos nossos pequenos que é legítimo e saudável conviver com as diferenças
Percebo então que, mesmo quando me julgava senhora de mim, assumia inconscientemente padrões comportamentais que não eram meus. Não foi por acaso que decorei as paredes do quarto da primogênita com flores rosas, ou que ela teve suas orelhas perfuradas por uma joia. Por que não um quarto com carrinhos azuis ou um piercing em seu nariz?
Nossa liberdade é delimitada pela nossa percepção de mundo. Nossas preferências pertencem a um leque bem mais reduzido do que pensamos. E, seja por termos internalizado estes padrões, seja por medo do julgamento alheio, acabamos por validar esses modelos.
Descobri com meus filhos que, ao contrário do que supunha, vivemos uma experiência educativa de mão dupla. A convivência com a infância me auxilia a assimilar que nada é imutável na vida. Não há um caminho rígido predefinido. Tudo se modifica, adapta, evolui. Há sempre uma nova forma de se fazer o de sempre, reinventar a roda.
O despertar da consciência crítica é libertador. Uma vez que começamos a pensar fora da caixinha, as percepções de realidade ficam muito mais nítidas. Se estas desconstruções provocam, inicialmente, dúvidas e inseguranças, depois ampliam e muito nossos horizontes e permitem que ajudemos nossos filhos a se tornarem melhores pessoas, indivíduos mais respeitosos, tolerantes e acolhedores. Quando tiramos do nosso olhar o peso do julgamento, ensinamos aos nossos pequenos que é legítimo e saudável conviver com as diferenças.
E assim vamos, de mãos dadas, mãe e filhos, enriquecendo-nos mutuamente. Aprendemos e desaprendemos juntos a enxergar sob novas perspectivas. A cada novo dia, novas imagens se formam neste caleidoscópio da vida.