POR Cristina Moreno de Castro e Rafaela Matias
“SOCORRO! ALGUÉM NOS AJUDE!” Eram 3h da madrugada quando os gritos entraram pela janela aberta do quarto onde dormia a agente de viagens Edimir Soares Morais, a Dídi, de 48 anos, no quinto andar de um prédio no Santo Antônio.
Além desses apelos, havia apenas silêncio. Nenhuma outra janela se abriu e nenhuma luz se acendeu nos outros 43 apartamentos do prédio de Dídi, nem nos prédios de oito, 12 e 13 andares ao redor. Mesmo assim, ela se agasalhou, pegou o celular e desceu sozinha. Logo foi abordada por um morador de rua, que disse, num tom urgente: “Minha namorada está tendo neném! Toquei nos interfones, e ninguém nos ajudou.”
Não deu tempo de esperar pela ambulância. A jovem de 26 anos se contorcia de dor, deitada em um colchãozinho no pequeno barranco que margeia a rua Rafael Magalhães, debaixo de um pé de amora. O nascimento era iminente. “Faz força, então”, instruiu Dídi, que, até aquele momento, nunca tinha visto ou vivido um parto antes.
“Vi a menininha saindo e tive que aparar para que ela não caísse”, conta Dídi. Miudinha, com 2,240 kg, a neném* foi embrulhada em uma jaqueta para ser protegida do frio. Naquela madrugada de 28 de setembro, as estações do Instituto Nacional de Meteorologia marcavam 18,2ºC e ventos de 24,4 km/h.
Na segunda ligação para o 190, uma viatura de polícia apareceu e telefonou para o Samu, às 3h43. A ambulância chegou ao local às 4h17, segundo os registros da Secretaria Municipal de Saúde. Foi só então que o cordão umbilical foi cortado e a jovem mãe foi colocada em uma maca para ser levada à Maternidade Odete Valadares. Antes, Dídi voltou ao apartamento e buscou uma manta, que usou para aquecer o bebê. “Você tem que ser a madrinha dela!”, ouviu da jovem mãe, antes de passar o telefone para que ela informasse a prima sobre o parto.
Tristes estatísticas
Belo Horizonte tinha, no mês de novembro, 12 mulheres grávidas em situação de rua, segundo o Serviço Especializado em Abordagem Social, coordenado pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, que faz o trabalho de acompanhamento dessas gestantes. Elas estão espalhadas nas regionais Leste, Venda Nova, Pampulha, Nordeste e Centro-Sul da capital.
Não é raro que mulheres em situação de rua engravidem, mas é no mínimo incomum que o nascimento aconteça em plena rua, como foi nesse caso. Em um ano e meio de trabalho voluntário diário com moradores de rua, foi a primeira vez que Jhulie Rodrigues, que atua em uma casa de resgate, ouviu falar disso. “Próximo à data do nascimento, elas vão para a casa de parentes ou conseguem ajuda de pessoas para ir para a maternidade. Esse caso foi inusitado”, diz Jhulie. Em todas as situações que ela acompanhou, os bebês foram enviados a abrigos. “A mãe geralmente volta para a rua”, relata.
Foi exatamente o que aconteceu com a jovem de nossa história. Órfã de pai e mãe, vítima de maus-tratos na infância e hoje dependente química, ela retornou às ruas assim que teve alta. A reportagem da Canguru tentou encontrá-la no Santo Antônio em três ocasiões, mas ela já tinha migrado para outra parte da cidade. Já a bebezinha ficou 26 dias na maternidade, por decisão judicial, até que uma prima ficasse com sua guarda temporária. Hoje ela vive em uma casa em Ribeirão das Neves, e, no mesmo lote, moram mais de 20 pessoas da mesma família. Segundo sua tutora, está saudável e já ganhou peso.
Nasce uma mãe
Depois de ter se envolvido em um nascimento tão inusitado, Dídi diz que sua vida mudou. A indiferença dos vizinhos foi o que mais chamou sua atenção: “As pessoas não foram nem capazes de abrir as janelas. Elas têm que parar de olhar só para o próprio umbigo e ajudar”. Naquela madrugada, não foi só a bebezinha que nasceu, mas também uma mãe, dentro de Edimir: “Eu estava perdida no meu mundinho pequeno, e foi ela que me encontrou. Descobri um instinto materno em mim. Se eu pudesse, teria ficado com a bebê”. Naturalmente, a menina está em sua lista de presentes a dar neste Natal. Os planos de Dídi para 2017? Entrar em uma fila de adoção.