A síndrome que cria muros no contato com o outro

Entenda mais sobre a síndrome de Asperger, quadro responsável pela dificuldade no estabelecimento de uma interação social bilateral. Indivíduos com a síndrome tendem a ser mais literais e repetitivos.

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Entenda mais sobre a síndrome de Asperger
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Até maio de 2013, quando foi lançada a quinta edição do Manual de Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5), a síndrome de Asperger, apesar de ser uma condição relacionada ao autismo, era considerada um transtorno distinto. Após essa data, a Associação Americana de Psiquiatria passou a reunir as categorias de autismo, incluindo a síndrome de Asperger, em apenas um único diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Segundo a psicanalista Fatima Maria Vieira Batistelli, membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, hoje o termo já não é mais frequentemente utilizado, na medida em que compartilha algumas características com o autismo. Ela explica que os indivíduos passaram a ser diagnosticados em um único espectro com diferentes níveis de gravidade.

“Aqueles indivíduos classificados dentro do espectro apresentam um conjunto muito heterogêneo de desvios do desenvolvimento que comprometem, principalmente, a capacidade de estabelecer relações intersubjetivas“, completa a psicanalista.

Os indivíduos com a síndrome conhecida como Asperger possuem dificuldades na comunicação social em geral. São pessoas que têm menos facilidade em estabelecer um padrão de interação social bilateral. “A pessoa dentro do espectro autista possui dificuldade em estabelecer o contato com o outro, principalmente na troca não verbal. É uma pessoa com dificuldade no subentendido, em geral são indivíduos mais literais, mais concretos. Junto com isso, existe uma tendência à repetição de comportamentos. Gostam de rituais, possuem hiperfoco em alguns temas e detalhes”, afirma a pediatra Ana Márcia Guimarães Alves, membro do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

“A funcionalidade é o principal desafio das pessoas com a síndrome. O índice de disfuncionalidade dessas pessoas, até mesmo entre os adultos, é alto. São indivíduos com um potencial intelectual muito grande, mas que não conseguem se sobressair. Essa frustração pode acarretar em quadros de ansiedade e depressão. Os prejuízos para o indivíduo vão além da síndrome. Ela pode trazer prejuízos ocupacionais, pessoais e sociais”, acrescenta a médica.

Ela explica que a funcionalidade dessas pessoas está relacionada à forma como enxergam o mundo a sua volta. São indivíduos que percebem e interagem com o mundo de uma maneira diferente dos demais.

“Coisas que muitas vezes parecem triviais, ou até mesmo óbvias, para eles não são. Por não possuírem um ponto de vista similiar ao que a sociedade considera como “comum”, frequentemente se sentem frustrados, sem conseguirem desenvolver todo seu potencial intelectual”, relata Ana Márcia.

Para além de uma perspectiva neurobiológica, também é necessário que se faça uma leitura das características das pessoas com a síndrome em um aspecto subjetivo. De acordo com a psicóloga Verônica de Fátima Salvalaggio, do Plunes Centro Médico, de Curitiba: “Na perspectiva que enfatiza a causa subjetiva, a abordagem se concentra em buscar os meios para dar expressão à particularidade do paciente. Isto exige que o terapeuta possa se colocar como uma “presença despretensiosa”, que não busca corrigir nem doutrinar, mas sim acompanhar bem de perto os redemoinhos e contornos necessários para que o paciente construa uma história sobre sua condição de vida.”

O diagnóstico é fundamental e deve ser feito através de um profissional especializado, para que assim possa ser estabelecida uma direção correta ao tratamento. “O diagnóstico permite explicar as dificuldades vividas pela própria pessoa e seus familiares, assim como possibilitar acesso a suporte técnico adequado. Mas, infelizmente, não é raro que o diagnóstico seja usado como rótulo ou estigmatização. Isso pode acontecer por ignorância ou puro desrespeito, e devem ser combatidos”, afirma a psicóloga. 

Verônica ressalta que a síndrome se caracteriza por um conjunto de sinais clínicos indicativos de uma determinada condição, cujas causas ainda não estão esclarecidas. “Nem sempre as síndromes estão ligadas a alguma doença. As doenças têm sintomas e etiologia identificáveis, de tal modo que as síndromes são consideradas como uma condição clínica e não necessariamente como uma doença”, detalha a psicóloga. E o tratamento, no geral, foca na questão comportamental, por meio da psicoterapia, e remédios, de acordo com avaliação médica, de modo a trazer maior bem-estar e mais qualidade de vida ao paciente.

Segundo Ana Márcia, por não se tratar de uma síndrome que atrase a fala ou afete o nível intelectual do indivíduo, os casos de Asperger são mais difíceis de serem notados pelos pais durante a infância. “Como a criança não possui um atraso verbal, fica mais difícil aos pais perceberem que existe algo de errado. Em análise minuciosa podemos perceber que a criança possui um déficit do não verbal, critério A do Espectro Autista, e também tem padrões repetitivos de comportamento, critério B do Espectro Autista. A criança geralmente possui poucas expressões faciais, não olha prontamente ao ser chamada pelo nome, parece não ter muito interesse nas ofertas do outro e também tem dificuldade em sustentar o olhar.”

`O diagnóstico do meu irmão veio tarde´

Quando se fala no diagnóstico de uma pessoa com síndrome de Asperger, Maria Edhuarda Castro, estudante de jornalismo, relata sobre o processo de diagnóstico de seu irmão: “Até os 3 anos ele agia como qualquer criança da idade, dançava, brincava. Conforme ele foi crescendo, foi ficando cada vez mais introspectivo, mas até então achávamos que não se passava de uma pessoa tímida, mais na dele. Como na minha família assuntos como depressão sempre foram um certo tabu, pouco se falava sobre o que ele podia ter também. O diagnóstico veio tarde, só quando ele já tinha 15/16 anos. Isso tornou o tratamento com remédios menos efetivo. Caso ele tivesse sido diagnosticado mais cedo, na infância, quando ele estava começando a manifestar os sintomas, poderíamos ter iniciado um processo de tratamento mais adequado.”

Segundo Maria Edhuarda, “o convívio com uma pessoa com a síndrome é complicado” e exige bastante paciência e dedicação. “Afinal, você está lidando com uma pessoa que não olha para o mundo e para as tarefas normais do dia a dia da mesma forma que você olha, então obviamente ela enfrenta obstáculos que você não consegue ver. Por outro lado é bem cansativo, precisamos repetir constantemente as coisas pra ele, coisas básicas sobre o convívio juntos, que pra gente parecem óbvias, mas pra ele não são.”

As angústias da família

Segundo a psicóloga, este relato dá testemunho da importância de um acompanhamento também para a família, que é afetada pelas angústias e decorrentes desta condição de vida de um dos seus integrantes. Especialmente os pais se veem confrontados com os medos, culpas e, muitas vezes, revolta diante desta experiência em suas vidas.

Sobre os tratamentos convencionais adotados em crianças que apresentam a síndrome, Verônica comenta: “ Entendendo a causa como neurobiológica, o tratamento se volta para o treino das habilidades sociais e busca uma adequação ou adaptação. Isto implica uma expectativa corretiva e reeducacional, sendo que aquele que conduz o tratamento fica numa posição de quem sabe como promover o bem-estar do paciente. A resposta pode ser a obediência, mas ao preço do apagamento da singularidade do paciente, uma vez que a saída não vem dele próprio. Essas medidas ajudam a favorecer o convívio familiar, mas também é importante oferecer um suporte que possibilite a expressão do desejo e da singularidade. O próprio paciente deve encontrar a fonte que move sua existência.”

A polêmica do nome Asperger

Nos últimos 10 anos surgiram estudos que apontam o envolvimento de Hans Asperger, médico austríaco que deu nome à síndrome, com a eugenia nazista, que resultou no extermínio de centenas de crianças. Essa descoberta tem causado indignação entre técnicos e estudiosos, que debatem a possibilidade de banir a terminologia Asperger dada à síndrome de maneira definitiva.

Segundo Verônica, a despeito da polêmica envolvendo o nome, “a síndrome ainda tem sido usada como diagnóstico para os casos de autismo mais leves, que apresentam condições de autonomia e relacionamento social mais favorável”.


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