Por Luciana Ackermann
Muito cedo, por volta dos 5 anos, ao ter contato com o universo mágico dos gibis (que encontrou no lixo), ele não teve dúvidas do que queria fazer de sua vida. Foi amor à primeira vista. A pedidos, seu pai levou mais revistinhas, que a mãe leu até que o menino aprendesse a formar palavras juntando letrinhas. Tempos depois, já adulto, passou a ajudar, com seus próprios gibis, um bando de gente de diferentes gerações a aprender a ler. Mauricio de Sousa, o criador dos personagens mais populares no Brasil, que fazem parte da Turma da Mônica, já teve suas tirinhas publicadas em 80 países. E, acredite: o gênio dos quadrinhos chegou a ter seus desenhos rejeitados em sua primeira tentativa de trabalhar como ilustrador, na Folha da Manhã – quem o despachou ainda foi taxativo: “Desista. Desenhar não dá futuro pra ninguém, faça outra coisa”. Ele acabou trabalhando como repórter policial, por cinco anos.
Mas, felizmente, seu antigo amor falou mais alto. Mauricio de Sousa conta que fugiu da redação e voltou, após uma semana, com sua primeira história e seu primeiro personagem, o Bidu, em 1959. E foi assim que as tirinhas do rapaz de Santa Isabel, interior de São Paulo, passaram a ser publicadas na Folha. De lá pra cá, foram criados outros 400 “filhos de papel”, entre eles, a Mônica e a Magali, inspiradas nas próprias filhas (segundo ele, a primeira “é brava de verdade”, e a segunda, “gulosa até hoje”).
O desenhista, que completou 82 anos no final de outubro, não para. Só neste ano já lançou a autobiografia Mauricio – A História que Não Está no Gibi, fechou com a TV Cultura a exibição da Turma da Mônica na programação fixa da emissora, tem movimentado o YouTube com a Mônica Toy, chegando a atingir 3 bilhões de visualizações e tendo a Rússia com líder de audiência, e está em meio ao processo de realização do longa-metragem Laços, que, de forma inédita, terá crianças de carne e osso interpretando a turminha. Na entrevista a seguir, Mauricio fala sobre a infância, a longevidade de seus personagens e narrativas e declara que a aposentaria não faz parte de seus planos.
Desde pequeno o senhor quis ser desenhista? Como seus pais reagiram?
Mauricio de Sousa – Eu sempre gostei de desenhar, queria fazer gibis. Felizmente meu pai e minha mãe sempre me incentivaram a ler gibis, mesmo quando isso era considerado prejudicial à educação (dá pra acreditar que havia gente que pensava assim?). Claro que o fato de serem adeptos de diversas formas de artes contribuiu para isso. Meus pais foram me dando confiança, e, depois, os professores.
O senhor aprendeu mesmo a ler com os gibis?
Realmente eu aprendi a ler com os gibis. E hoje, em meus lançamentos nas livrarias, onde tenho contato direto com meus leitores, é comum algum pai dizer que seu filho aprendeu a ler com a Turma da Mônica. O lúdico sempre foi fonte de interesse da criança, e a linguagem dos quadrinhos é especial nesse caso, pois trabalha a memória visual juntamente com a de leitura. O resultado é alguém interessado em ler apesar dos programas de TV, dos videogames e de outras diversões modernas que tiram o tempo de leitura.
Qual conselho o senhor dá a pais de filhos que não gostam de ler?
Estimulem ao máximo, lendo junto com os filhos desde bem pequenos, e eles nunca esquecerão desses momentos da infância.
Como é fazer parte de uma família tão grande – dez filhos, 12 netos e três bisnetos?
Uma alegria e fonte de muitas criações para o meu trabalho. Todos sabem que me inspiro muito em meus amigos de infância, em meus filhos e agora nos netos e bisnetos para criar os personagens da turminha. E meus filhos de papel já chegam a mais de 400!
Como manter a “Turma da Mônica” sempre interessante diante de tantas novidades que surgiram nas últimas décadas?
O segredo de manter um público constante num mercado inconstante é sempre estar antenado na linguagem atualizada das crianças. Os pais curtem ter lido a Mônica, que falava com eles na linguagem da época e que se adaptou à linguagem do filho. Que pai não aprecia um filho que tem os mesmos gostos que ele teve na infância? Depois, criança é sempre criança. Pode ser em países e épocas diferentes. Gosta de descobrir e de brincar. Basta contar histórias em que elas se identifiquem e que as façam rir.
A infância foi mesmo abreviada no Brasil, nas últimas décadas? O que os pais podem tentar fazer para reverter esse fenômeno?
Com certeza as crianças estão amadurecendo mais rápido e, por isso, encurtando a sua infância. Para os pais, basta dedicarem mais tempo aos seus filhos. Simples assim.
O que o motivou a lançar a biografia “Mauricio – A História que Não Está no Gibi”?
Há alguns anos alguns amigos jornalistas queriam escrever minha biografia. Ameaçaram fazê-la, e fiquei meio preocupado. Decidi, então, fazer uma série de crônicas em um jornal contando vários casos da minha vida para deixar isso como legado. Queria dar a minha visão. Acabaram saindo dois livros com essas crônicas, e os jornalistas esqueceram o assunto. Agora resolvi fazer por inteiro. O jornalista Luís Colombini, indicado pela editora Sextante, me ajudou muito na busca por recordações dentro dos encontros semanais que tivemos ao longo de 2016.
Na XVIII Bienal Internacional do Livro, o senhor afirmou que, assim como um pai não tem um filho preferido, o senhor também não tem um personagem preferido, mas enalteceu o Horácio. Por quê?
O Horácio sempre foi muito ligado ao meu pensamento filosófico. Posso até delegar historinhas dele, mas sempre terá que ter muito de mim ali. Como digo, às vezes me sinto realmente um dinossauro dentro desse mundão.
O senhor teve receios ou dificuldades com os avanços da tecnologia?
Eu estou ligado na parte de comunicação que a tecnologia proporciona para exercer uma interatividade com o meu público. Temos que seguir junto com a evolução e as novas plataformas de comunicação, mas sem esquecer da base de nossa vida, que vai além disso. Mantenho, em meu estúdio, profissionais que ainda desenham sobre papel e preservo essa forma quase artesanal de trabalho. Um computador pode quebrar ou pode faltar energia elétrica, mas ainda teremos um lápis, que não depende de software, e sim da criatividade pura do ser humano.
Como é a parceria da “Turma da Mônica” com o Unicef, abordando os direitos das meninas e dos meninos?
Temos uma série de revistas com temas de importância educacional sobre ecologia, saúde e direitos das crianças. Geralmente são produzidas para a área educacional e de saúde. Mas a responsabilidade aumentou no final de 2007, quando a Mônica foi convidada a ser embaixadora do Unicef no Brasil, juntamente com Renato Aragão e Daniela Mercury. É a primeira personagem de quadrinhos convidada no mundo. Nossa revista especial com a Turma da Mônica dando dicas sobre o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) já foi distribuída para milhões de crianças.
O senhor fez 82 anos no final de outubro, quase 60 anos de carreira; a Mauricio de Sousa Produções já vendeu mais de 1 bilhão de gibis, criou mais de 400 personagens e tem mais de 3.000 produtos licenciados. O que vem pela frente? Pensa em se aposentar?
Esta palavra, “aposentadoria”, não existe no meu dicionário (risos). A cada novo sonho se renova o desafio da criação. Temos muitas novidades. Nosso primeiro filme live-action com a Turma da Mônica, com o nome de Laços, a respeito de uma história linda sobre amizade e solidariedade, estará pronto em 2018. Tem também a nossa série de animação no YouTube, estamos na TV Cultura, a Mônica Toy é um sucesso mundial, chega a mais de 3 bilhões de visualizações. E, para 2019, haverá outro live-action, que está em produção, com a Turma da Mônica Jovem.
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