Por Clarice Niskier
ERA UMA VEZ uma grande professora de música chamada Dona Cecília Conde. As aulas eram lúdicas, alegres, com muita música brasileira de roda, de compositores anônimos, e, através delas, amávamos nosso país, desenvolvíamos afetos e fazíamos cenas de encontros festivos entre meninos e meninas, dançando quadrilhas ou em duplas, sempre com panos e lenços coloridos disponíveis em um baú para que pudéssemos nos alargar e nos ver além de nossos uniformes.
Eu estava no primário ou no ginásio? Sei que amava aquelas aulas – até hoje vêm à memória se penso: quando começou meu amor pelo teatro? Respondo: na
escola, com Dona Cecília. Então, se me pedem opinião sobre aulas de teatro para crianças, perguntam a partir de quantos anos devem começar, digo: assim que saem da barriga.
Aliás, todos nós, adultos, deveríamos praticar teatro, música, dança, independentemente se vamos ou não viver de arte. “A mais premente necessidade de um
ser humavno era tornar-se um ser humano”, escreveu Clarice Lispector na obra Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. Precisamos estar em constante processo de humanização para respirarmos neste mundo que nos empurra freneticamente a tarefas mecânicas que limitam nossos horizontes. A arte move nosso corpo emocional, nos coloca diante do outro, nos provoca, exige qualidade de comunicação, alegria. Precisamos de um corpo emocional saudável para viver, ir além das lógicas pragmáticas do dia a dia. Uma das experiências mais bonitas como atriz foi no Grupo Navegando, dirigido por Lucia Coelho, mestre em contar histórias para crianças, que me ensinou muitas coisas lindas. Dominava a linguagem dos bonecos e sabia como ninguém equilibrar texto e imagens simbólicas. Fizemos Copélia, Dito e Feito, Estrela Menina, entre outras. Um dia contou que um crítico, ao final de uma peça, afirmou que nenhuma criança
Criança tem mente aberta, a poesia à flor da pele, basta que as asas da imaginação não lhe sejam cortadas.
entenderia a história. Era sobre um pássaro que cruzava o oceano, vivia aventuras na travessia e, sem pouso, ultrapassava a própria existência. Isso não era dito
com palavras, mas representado por três marionetes-pássaros que mudavam de tamanho no decorrer da trama. Para ele, as crianças veriam três pássaros diferentes. Lucia ficou triste e, tempos depois, ouviu de um pequeno espectador: “O pássaro vai crescendo, vai crescendo, porque ele gosta tanto de voar, que voar faz
ele crescer até o infinito”. Lucia ficou comovida com a inteligência e a percepção do menino. Criança tem mente aberta, a poesia à flor da pele, basta que as asas da imaginação não lhe sejam cortadas. Portanto, o quanto antes começarem a fazer teatro, música, dança, maiores serão as chances de jamais esquecerem que é voando que a gente cresce até o infinito, e além.