A Terra está esquentando mais rápido do que deveria, devido à maior emissão de gases de efeito estufa. É o aquecimento global, que faz surgir fenômenos como derretimento do gelo, níveis mais elevados do mar, ondas de calor mais frequentes e outras condições climáticas extremas. A Cúpula do Clima (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, mostra o quão urgente é esse assunto, que pede ações mais eficazes na contenção desses eventos e debates mais amplos, que envolvam as mais diversas frentes, inclusive, as escolas.
Porém, documentos normativos, como a Base Nacional Comum Curricular, que define as aprendizagens essenciais para toda a educação básica, pouco falam sobre o assunto. O tema das mudanças climáticas é citado apenas três vezes na BNCC, de forma genérica e nada propositivo, relata o biólogo Edson Grandisoli, pós-doutor pelo programa Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo) e professor do ensino básico por mais de 20 anos. Para ele, o assunto está previsto no currículo, pelo desenvolvimento de diferentes competências e habilidades, mas não está explícito na BNCC. “Talvez, na época em que o documento foi feito (começou a ser elaborado em 2015) isso não tenha sido visto com tanta importância como tem hoje. Mas, independentemente da base, é um tema urgente, que escolas e professores, olhando para a sua comunidade, devem ter interesse em trabalhar”, comenta o pesquisador, que também é diretor educacional do Movimento Escolas pelo Clima. A ação incentiva escolas a elaborar atividades pedagógicas e formação de professores com foco nas mudanças climáticas. “A educação climática é emergencial nas escolas, para informar e motivar as pessoas a se tornarem cidadãos ativos no enfrentamento da emergência climática”, diz Edson.
Embora existam trabalhos de educação ambiental em diversas escolas públicas e privadas do país, muitas vezes tratam-se de atividades pontuais, quando deveriam ser contínuas e trabalhadas de forma interdisciplinar. E a questão das mudanças climáticas é ainda menos explorada. Um estudo realizado pela ONG Plan International revelou que a maioria (98%) dos adolescentes e jovens estão preocupados com a emergência climática, mas 82% deles disseram não saber como os governos de seus países lidam com essa questão. Jessica Cooke, conselheira de Política e Incidência para Mudanças Climáticas da ONG, diz que os jovens não se sentem informados ou capacitados o suficiente para participar das discussões sobre o assunto, o que expõe lacunas significativas sobre como os governos estão ensinando crianças e adolescentes a respeito da crise ambiental que enfrentamos.
Como abordar as mudanças climáticas nas escolas?
Para a antropóloga Rachel Trajber, coordenadora do Cemaden Educação, (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, é essencial promover discussões nas escolas que reflitam sobre a origem dos problemas climáticos. “Precisamos questionar as atividades humanas, a sociedade de consumo em que vivemos e as causas que levaram às mudanças climáticas. A gente começou a mudar o clima por causa da forma do uso e ocupação de solos, do tipo de agricultura que se faz, da sociedade de consumo que se tem, então, as formas de se tratar disso se tornaram mais complexas. É preciso um olhar crítico para pensar na origem desse problema e por que ele está acontecendo”, avalia Rachel.
Coordenadora geral de educação ambiental, no Ministério de Educação (MEC), entre 2004 a 2012, ela lembra que além da BNCC há outros documentos que falam sobre o assunto, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. “Existem planos estaduais e municipais muito consistentes também, mas todos precisarão ser revisitados”, ressalta.
Rachel diz que entender quais são os impactos do uso de solo e da água na região em que os alunos vivem pode ser um bom começo para esse trabalho sobre as mudanças climáticas nas escolas. “Todos os municípios estão localizados em uma bacia hidrográfica e é interessante que cada escola desenvolva pesquisas no seu local, da sua comunidade escolar, para que compreenda como os rios são utilizados e como podem influenciar na transformação do território”, afirma a especialista.
E ainda que a temática seja complexa, Edson Grandisoli ressalta que não é necessário “inventar a roda” para trazer o assunto para sala de aula. “Se as escolas fazem um bom trabalho com resíduos, hortas, questões relacionadas ao uso de energia e de água, tudo isso está diretamente conectado com o tema das mudanças climáticas, é possível fazer conexões”, avalia o pesquisador da USP, que ressalta ainda a importância de envolver os pais nas atividades sempre que possível. “Todos nós somos corresponsáveis tanto pelo problema quanto pela busca de soluções”, diz.
Vivências locais servem de ponto de partida para discussões
O rio próximo à Escola Estadual Dinorá Brito, no bairro Putin, em São José dos Campos, serve de pauta para algumas das atividades que a professora Rosa Sousa promove com seus alunos do 6o e 7o anos do ensino fundamental. “Em períodos de cheia, o rio alaga as casas dos alunos e as famílias perdem muitas coisas. São crianças que estão acostumadas a vivenciar desastres, mas elas acham que não há solução para esses problemas. Então, aproveito essas vivências para falar sobre questões como ocupação desordenada em áreas de risco, papel do poder público e a importância da comunidade se articular nessas situações”, explica a professora. No momento, ela também realiza um trabalho sobre pluviômetros, coleta de histórias orais sobre mudanças climáticas e a construção de mapas sociais da região.
Atividades precisam encantar as crianças
No caso de crianças menores, da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, especialistas ressaltam o cuidado em não apresentar o assunto das emergências climáticas de maneira assustadora, que afaste os pequenos, em vez de atraí-los à temática. “É importante sempre pensar na questão do encantamento e de como incluir atividades que tenham o caráter de sensibilização para as questões ambientais”, ressalta Mateus Moreira, professor e coordenador de sustentabilidade da Escola da Vila, em São Paulo.
Ele dá como exemplo ações que estão sendo realizadas na escola, em um evento de mobilização pela sustentabilidade, nos diferentes níveis de ensino. Na educação infantil, as crianças realizam atividades sobre resíduos, para que percebam a quantidade de lixo que produzem nos lanches que levam à escola, se podem reduzi-los, quais são os materiais das embalagens e quais fins podem dar às mesmas. Já alunos do ensino médio estão desenvolvendo uma atividade com turmas do ensino fundamental sobre colônias de abelhas nativas existentes na escola.
“O contato com temas ambientais faz com que os alunos vejam o mundo de forma muito mais integrada, eles incorporam a questão da sustentabilidade no seu dia a dia, não é que estudam o assunto, fazem uma avaliação e pronto. Isso fica com eles e acaba sendo muito importante na formação, no futuro desses jovens”, comenta o docente.
A importância do vínculo com a natureza
Para Maria Isabel Amanda de Barros, pesquisadora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, as experiências de contato com a natureza são fundamentais para as crianças, ainda mais após longo período de confinamento devido à pandemia da Covid-19. “Além de espaço para desenvolvimento acadêmico, a escola precisa ser lugar de encontro com a natureza, do brincar, de experiências com o corpo, afeto e criatividade, e isso é dimensão da educação ambiental também”, afirma a pesquisadora. Ela ressalta que as cidades estão perigosas, as casas são pequenas e as famílias são cada vez mais nucleares e a escola, portanto, é o lugar onde os pais depositam também essa expectativa de experiências da infância, como subir em uma árvore ou andar de bicicleta ao ar livre. “Essas experiências ajudam a criar um vínculo afetivo e ensinam sobre a importância da natureza para a sociedade e questões relacionadas ao consumo e sustentabilidade. Quando as crianças criam um vínculo consistente e têm contato com a natureza de forma positiva, passam a ter esperança e conseguem sonhar com um futuro”, diz Maria Isabel.
Formação para professores é essencial
Para o professor da Escola da Vila, trabalhar temas como a educação ambiental de forma interdisciplinar é algo recente e requer apoio por parte da escola, com inclusão do assunto na formação docente. “São atividades extremamente trabalhosas, não dá para achar que os professores vão se reunir rapidamente no corredor ou na sala do café e criar um projeto. Questões como essa, das mudanças climáticas, exigem bastante planejamento, conversas entre os envolvidos, e isso tem um custo de tempo e dinheiro que precisa entrar na conta das escolas”, opina o professor.
A coordenadora do Cemaden Educação também reforça a importância de trazer a discussão ambiental para a formação inicial do professor, na graduação universitária, e para a formação continuada, realizada em paralelo ao dia a dia em sala de aula. “Essa formação é fundamental atualmente, não se pode prescindir nem da inicial nem da continuada para essas questões da contemporaneidade”, pontua Rachel Trajber.
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