Por Cris Guerra – “Só nós dois.” A expressão era música quando a nossa história começou. Mas nem sempre éramos só nós.
Na romântica Tiradentes, éramos nós dois e uma ou mais garrafas de vinho, confissões enfileiradas para finalmente se verem libertas. Nós dois abraçados numa cama que crescia à nossa volta. Nós dois e risadas.
Nós dois e um amor urgente na sala de um apartamento sem móveis. Nós dois em frente à cerveja gelada do sol de domingo. Nós dois, o silêncio e um jornal. O Jorge Drexler no violão e nós dois bailando na sala de pijama. Nós dois, um céu estrelado e O Grande Sertão. Nós dois num quarto minúsculo em Ilha Grande, com uma janela por onde entrava o azul do mundo.
Nós dois, uma semana de chuva e um 31 de dezembro brindando ao sonho que geramos. Nós dois e a curiosidade. Não éramos só nós dois. Já éramos quase três.
Um segundo e já não éramos. Eu era uma, era só ou quase dois. Quase nada, quase muda, quase morta. Ou viva, porque ele estava a caminho. Só nós dois, mais uma vez. Um outro “só nós dois”.
Nós dois e uma falta que fazia sombra em nós. Um silêncio que aniversariava a cada vela apagada. Nós dois, o medo e um gosto de absurdo. Nós dois e a sensação de não ter o direito. Nós dois e o eco de um sonho que ficou pelo caminho. Nós dois e um novo sonho a construir. Nós dois e as cólicas de fim de tarde, as tardes que não terminavam, um sono que chegava como alívio para logo gritar uma lacuna. Nós dois sós. Cada um camuflado em seus receios de primeira viagem.
Se ele era melodia suave, o “só” era percussão. Cabia a mim insistir no ritmo – e ele acompanhava. “Vamos pra nossa casinha, Mamãe?” Era a pergunta dos fins de domingo, desejosa do “só nós dois”. Eu mirava o relógio, exausta e vitoriosa, comemorando a coragem que eu não propriamente havia escolhido.
Nós dois e o mesmo apartamento, cheio de móveis e vazio dele. Nós dois e alegrias diárias que eu engolia inteiras, sem ter com quem dividir. Nós dois e muitas janelas, quinas, perigos. Nós dois e a minha persistência em ser feliz. Nós dois, o cansaço e uma bateria ilimitada.
Nós dois e o medo de não dar conta. E um tentar insistente, ávido por aprender. Nós dois e a Marisa, um samba, um monte. Nós dois e páginas em branco. A tela do computador. Nós dois e um blog. Nós dois e um mundo.
“Vamos descer pra tomar um drink?”, ele pergunta no quarto de hotel em Cancún, diante da janela turquesa de mar e céu. Nós dois e um menu de travesseiros. Nós dois em portunhol e inglês. E chantilly no café da manhã, porque nas férias pode. Nós dois e as ruínas maias. E as arraias, golfinhos sorridentes, pelicanos engraçados, borboletas multicoloridas e uma anta preguiçosa.
Lá se vão 11 anos de só nós dois. Nós dois e mais um episódio de Friends. Nós dois e a alegria de um colo repleto. Os dois inteiros, plenos de amor e de nós.