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‘Manifesto antimaternalista’ reflete sobre o papel da mãe na sociedade

A psicanalista Bebel Soares comenta o novo livro de Vera Iaconelli, que faz uma crítica à idealização da mulher como única responsável pelo cuidado dos filhos e como isso gera culpa e adoecimento

Mãe negra brinca com bebê em frente ao espelho
Discurso maternalista desonerou os homens do trabalho com os filhos
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“Manifesto antimaternalista: psicanálise e políticas de reprodução”, da psicanalista Vera Iaconelli, aborda as questões da parentalidade. As condições que uma geração dá a uma nova geração não se limitam aos laços entre mãe e bebê e mãe/pai com o filho/filha, porém o viés ideológico do maternalismo atravessa a maternidade da nossa época e coloca as mulheres como as únicas e verdadeiras responsáveis pelo cuidado com as crianças.

No livro, Vera conta que o discurso maternalista aparece da passagem do século 19 para o século 20. No feudalismo existia uma experiência mais comunal, sem uma divisão sexual do trabalho, embora houvesse uma subalternidade das mulheres, nem a ideia de infância. Com a entrada do capitalismo e a divisão sexual do trabalho, à mulher passou a caber o cuidado reprodutivo, com os filhos e a casa, e ao homem cabia o trabalho que tem valor, que é o trabalho remunerado. O trabalho doméstico deixa de ser considerado um trabalho, e passa a ser considerado um ato de amor. A mulher passa a ser vista como a cuidadora, sendo ou não sendo mãe.

A ideia pseudoteoria do “instinto materno” é criada para responder a uma necessidade política, econômica e social de um estado que percebeu que as crianças e jovens dependiam de cuidados constantes. Essa ideia desonerou os homens do trabalho de cuidado, e o deixou para as mulheres. Esse é o discurso maternalista, o discurso que retém a mulher dentro de casa e a reduz à maternidade. Ainda assim, as mulheres que não tinham um homem para sustentá-las, as viúvas, por exemplo, precisavam exercer algum tipo de trabalho remunerado para manter a si mesmas e à sua prole.

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Passando por Freud, Lacan e Winnicott, o livro mostra que algumas teorias psicanalíticas ajudaram a colocar a mulher nesse papel de responsável pelos filhos e por tudo o que pudesse acontecer com eles: “Por excesso ou por falta, se a criança se revelasse neurótica, psicótica ou perversa, a mãe estaria diretamente implicada no resultado”. Qualquer semelhança com a realidade, essa culpa materna que colocaram nos nossos ombros, não é mera coincidência.

Este ideal de maternidade vem adoecendo mulheres em uma busca por algo inatingível que resulta em culpa. “Manifesto Antimaternalista” repensa o papel da mãe na sociedade propondo um caminho para que ela não seja a principal, nem a única responsável pelo trabalho de cuidado com as próximas gerações.

Só com uma divisão mais justa será possível, amar nossos filhos sem nos sentirmos sobrecarregadas e exaustas. Especialmente as mães solo, cuja carga mental é imensa pela falta de rede de apoio e a necessidade de trabalhar para sustentar os filhos e a casa. 

Vera explica que essa responsabilização das mães por todo o trabalho de cuidado tende ao colapso, cuidar das próximas gerações deveria ser um trabalho de toda a sociedade e, num primeiro momento, cuidar das mulheres/ mães. Se engravidar e parir cabe a nós, deve haver uma divisão igualitária para todo o resto. 

*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.

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Bebel Soares
Bebel Soares é arquiteta urbanista, psicanalista, escritora, mãe do Felipe e fundadora da comunidade materna Padecendo no Paraíso, onde informa e dá suporte a mães desde 2011.

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