Por Sabrina Abreu
“Celular aqui, não.” O apelo do pequeno Augusto, de 2 anos, deixou impressionada a pesquisadora acadêmica Nicole Spohr, que se divertia com o filho num parquinho perto de casa, mês passado, no Rio de Janeiro. “Como ele é muito pequeno, a fala foi chocante”, avalia. Ela já evitava usar o aparelho em momentos de lazer com a criança e estava apenas trocando uma mensagem rápida com seu marido, o engenheiro Carlos Eduardo Agnes. Mas, qualquer que tenha sido o motivo da distração, Nicole decidiu policiar com mais firmeza o uso do telefone quando estiver na presença do filho. “Estou me controlando cada vez mais. Deixo acumular as mensagens e checo menos vezes por dia”, conta.
Agora, Nicole passa por intervalos mais longos, de em média, duas horas, sem olhar para a tela. E Augusto está gostando. “Se ele me via usando o celular, tentava tirar o aparelho da minha mão, dizia ‘não’, muitas vezes”, relembra. A razão, como responsáveis por crianças podem facilmente deduzir, é que as crianças sentem ciúmes do olhar direcionado para a tela do telefone, em detrimento da atenção que queriam canalizadas para si mesmas. “Para a criança, é importante ter um tempo em que se sinta o foco, em que seja escutada e vista”, pontua a psicóloga Renata Silva.
A dica da psicóloga é tirar o aparelho de perto nos momentos separados para interação total com os filhos. “O celular não pode estar perto, a criança tem que perceber que ela ganhou, que a atenção vai para ela e que o ‘concorrente’ está longe. Se ele estiver ali do lado, fica parecendo que a briga por atenção continua”, ensina.
Pais de Raul, de 6 anos, e de Madalena, de 5, o casal de empresários Paulo Moura Leite e Heloísa Poletto, residentes em São Paulo, tem um combinado: não usam o telefone durante as refeições. As crianças sabem da regra. “Disse a elas que, na hora de comer, não podemos pegar o celular”, diz Heloísa. O menino gosta dessa limitação e até serve de “fiscal do celular”, noutras horas do dia. “Tento ao máximo ficar longe do telefone, quando estou com eles. Mas, se tenho que responder mensagens ou algo assim, logo ele chama minha atenção”, diz.
O ciúme despertado nas crianças, quando os pais estão ao celular, é ainda mais complexo do que aquele ao qual meninos e meninas de outra geração experimentaram. Não é um sentimento que vem da relação da mãe com o irmão mais novo, com uma prima ou qualquer outra pessoa. “Esse ciúme entra no lugar do imaginário. Crianças de até 6 anos não conseguem entender direito o que é o telefone. Elas podem pensar: ‘Por que este objeto pequeno e brilhante é mais importante do que eu?’. É algo metafórico e, por isso, mais complexo”, explica Renata Victor.
Pais absortos
Observação antropológica feita pela médica norte-americana Jenny Radesky, do Boston Medical Center, em 2014, revelou que crianças de pais que usam o celular enquanto estão com elas tendem a apresentar mau comportamento, possivelmente para chamar a atenção dos responsáveis. Pediatra especializada no desenvolvimento infantil, ela começou a perceber como os pais ficavam absortos por aparelhos eletrônicos, sobretudo celulares, enquanto as crianças eram ignoradas.
Ela decidiu, então, observar mais de perto esse hábito, e se juntou a dois outros pesquisadores, para um experimento que fez questão de deixar claro que não era científico – por não ter o rigor necessário para receber esse título –, mas uma observação antropológica. Em restaurantes do tipo fast-food, ao longo de todo um verão, ela ficou de olho na interação entre pais e suas crianças pequenas, enquanto fazia apontamentos detalhados.
O resultado não é exatamente chocante para quem quer que preste atenção nas mesas ao seu lado, numa praça de alimentação qualquer, em alguma grande cidade brasileira. Em 55 grupos de pais e filhos observados, 40 tiveram adultos que usavam o celular durante a refeição com as crianças. Desses, a maioria parecia mais interessada no aparelho do que nos pequenos com quem dividiam a mesa. Ela percebeu que pais ao telefone pareciam mais irritados, porque as crianças interrompiam o que quer que eles estivessem vendo na tela do celular. Os pequenos, por sua vez, pareciam ser mais barulhentos e bagunceiros, se comparados aos meninos e meninas cujos pais não estavam ao celular. Segundo a médica, é um erro gastar o tempo em que poderia se comunicar face a face com as crianças, ignorando-as. Porque a interação feita pessoalmente é essencial no processo de aprendizado infantil.
E não é só isso. “A gente não quer que eles fiquem no celular, mas a gente não sai do celular. Como pedir algo para o meu filho se eu mesma não der o exemplo?”, questiona-se a dentista belo-horizontina Ana Teresa Meireles Rezende dos Mares Guia, mãe de Arthur, de 4 anos. Como tantas outras mães atarefadas e, por que não, com vontade de assistir a um vídeo no celular ou curtir um meme, de vez em quando, ela também está no processo de se privar do uso do aparelho, enquanto está com Arthur.
“Já entendi que ele tem ciúmes e claro que não quero provocar isso”, afirma. Além de manter a distância do aparelho, nos momentos em família, Ana Teresa pensa em estratégias para que o pequeno tenha o mínimo contato com a telinha. “Só deixou usar um pouquinho, quando a bateria está perto de descarregar. E se o telefone apagar, acabou a brincadeira”, conta.
Outros cuidados consistem em pedir à funcionária da casa para não emprestar o próprio telefone para o Arthur brincar. E negar-se a dar a ele um aparelho de presente. “Ele já pede um telefone, mas não vai ganhar tão cedo”, encerra.