Por Rafaela Matias
No número 2564 da avenida Afonso Pena, uma casa branca com janelas de madeira guarda um pedacinho do sonho de quase toda criança: uma infinidade de jogos, piorras, bonecas, carrinhos, cavalinhos de pau, lanternas mágicas, instrumentos musicais, fantoches, livros e discos. O Museu dos Brinquedos, que funciona em Belo Horizonte desde 2006, é fruto da coleção que uma menina chamada Luiza de Azevedo Meyer começou a cultivar aos 3 anos da idade. Logo que aprendeu a falar, a pequena correu atrás do que queria com a determinação de um profissional do mundo dos negócios e começou a guardar bonecas, jogos e outros artefatos que preencheriam, no futuro, uma casa inteirinha. O hábito prevaleceu durante a adolescência e a vida adulta, e o gostinho da infância acompanhou Luiza até o dia de seu falecimento, aos 87 anos, no ano 2000. Os seus dez filhos e 23 netos herdaram a coleção e, hoje, administram o museu, que é aberto ao público e guarda 5 000 brinquedos de diferentes países e gerações. Algumas peças datam do fim do século XIX, e o local já foi visitado por quase 200 000 pessoas. Tudo por causa de uma menina e sua coleção.
É claro que nem todo acervo toma proporções como essa, mas o ato de colecionar contribui de várias maneiras para a formação da meninada e pode, sim, ser incentivado pelos pais. “A coleção ajuda a criança a se organizar e aprender a tomar decisões”, afirma a psicóloga e psicoterapeuta Maria Luíza Rocha de Andrade. Isso porque os pequenos colecionadores precisam escolher, por exemplo, quais peças trocar, se querem interromper uma coleção e começar outra e qual é a melhor forma de guardar seus objetos. “Isso ajuda a desenvolver o senso de responsabilidade, pois é a própria criança quem vai criar, manter e cuidar do que escolheu colecionar”, diz Maria Luíza.
A psicóloga explica ainda que crianças colecionadoras tendem a ser mais curiosas e atentas. Essas são características que Pedro Yoshiro Hollerbach Matsushita, de 12 anos, apresenta desde cedo. O espírito de colecionador nasceu com ele, e com apenas 3 anos, sem incentivo de ninguém, montou a sua primeira coleção, de pedras, inspirada no próprio nome. “Em nossas caminhadas pelo sítio do avô, ele ia catando pedrinhas. Sentá- vamos na beira do rio e era lá que ele pegava a maioria. Era tão importante para ele que em um aniversário me pediu para dar pedras de lembrancinha”, conta a mãe, a nutricionista Priscilla Hollerbach. Por volta dos 5 anos começou a colecionar bonequinhos chamados Gogo’s e pedia de presente até para o Coelhinho da Páscoa, no lugar do chocolate. Quando conheceu os Pokémons, encantou-se pelo desenho, aí descobriu as cartas e não parou mais de colecioná-las, acumulando até agora cerca de 600. Incansável, Pedro mantém ainda uma coleção de livros, com todos os exemplares de O Diário de um Banana e de Capitão Cueca. “Ele lê e relê os livros, que ficam em um lugar especial na estante”, conta a mãe.
Quem também começou bem novinha foi Isabela Schieber Gonçalves, de 9 anos. Com apenas 4, ela ganhou a sua primeira boneca Polly e não teve dúvidas de que queria iniciar uma coleção. Hoje, a pequena tem uma verdadeira cidade, com mais de 30 bonecas e bonecos, casas, iate, clube, carros, motor-home e food trucks, sem contar a infinidade de roupinhas, sapatos e acessórios. “É a minha brincadeira preferida”, conta ela, que também coleciona bonecas da marca Ever After High e já acumula vinte exemplares.
Se a diversão é importante, o que está por trás dela é ainda mais. Observar a forma como a criança lida com a sua coleção auxilia os pais a perceberem alguns aspectos significativos da personalidade dos pequenos, como o perfeccionismo, a minuciosidade, a curiosidade e a capacidade de criar estratégias para alcançar seus objetivos. “Além disso, ajuda a criança a lidar com as frustrações, já que nem sempre as coisas saem conforme o planejado, e ensina o valor do esforço e da conquista”, explica Maria Luíza. Pedro Fiuza, de 12 anos, por exemplo, coleciona moedas estrangeiras desde o fim do ano passado e a sua principal motivação é o desafio. “A coleção me lembra quanto foi duro adquirir cada moeda, mas, com esforço, eu consegui.” Ele divide o acervo com a madrinha, a veteriná- ria Maria Teresa Fiuza, que mora na Irlanda e mantém o hábito de levar moedas e notas dos países que visita. Pedro decidiu que faria o mesmo quando viajou para o Equador, em dezembro de 2016, de onde ele não queria levar apenas fotos e objetos comprados. “Queria uma lembrança que realmente me conectasse ao lugar, por isso decidi fazer como minha madrinha e iniciar uma busca por moedas antigas locais. Dediquei um dia inteiro de viagem para isso, e é uma das memórias de que eu mais gosto”, conta.
De uma geração para a outra
A possibilidade de passar a coleção por gerações é outro ponto forte do hábito. Aos 16 anos, o estudante Juan Conde experimenta a sensação de ensinar ao irmão mais novo, Fernando Fellipe, de 5 anos, as técnicas que aprendeu também com essa idade. Juan, que é hoje um dos administradores do grupo Colecionadores de Miniaturas de Minas Gerais, possui um acervo com cerca de 3 000 produtos da marca Hot Wheels e outra inspirada na franquia Star Wars, com peças exclusivas. Já o mais novo elegeu bonecos de super-heróis da Marvel e da DC Comics como seu carrochefe e não deixa dúvidas do que acha mais legal em ser um colecionador. “Estar junto do meu irmão, expor com ele alguns brinquedos diferentes e compartilhar nossos objetos. Foi ele quem me incentivou e me deu peças dele para começar a minha própria coleção. Hoje, fazemos isso juntos”, conta orgulhoso.
Como a maior parte das atividades que compõem a educação dos pequenos, o equilíbrio é fundamental, e é preciso ter cuidado para que a coleção, a princípio algo positivo, não se transforme em uma obsessão. “Tudo que se torna o centro absoluto e que passa a ocupar quase todo o tempo de uma pessoa traz uma luz amarela, um alerta. É o mesmo cuidado que se tem com os jogos eletrônicos, por exemplo. Os adultos devem cuidar para encontrar a medida certa, de forma que não prejudique as outras atividades da criança, nem ocupe demasiadamente seu pensamento”, arremata Maria Luíza.