Por Daniele Franco
DEPOIS DE MUITO tempo de puxa, alisa e prende, é hora de deixar os cabelos livres, leves e soltos. E isso vale para a criançada também. Há pelo menos dez anos, segundo especialistas – psicólogos, antropólogos e empresários do mercado da beleza – ouvidos pela reportagem, a cultura do liso está dando lugar às vistosas cabeleiras crespas e cacheadas, com os mais variados cortes e penteados, sempre carregados com muito orgulho. Ou seja, uma geração inteira de crianças, que se beneficia dos resultados do empoderamento dos cachinhos.
Para a psicóloga belo-horizontina Magali Figueiredo, o crescimento do movimento de valorização dos cabelos naturais traz uma onda positiva de autovalorização para as crianças, que mudam em si mesmas uma ótica de inferioridade imposta por uma sociedade cheia de preconceito. “As características das crianças devem ser enaltecidas e cultivadas desde o seio da família, para que elas respeitem sua individualidade e se orgulhem de ser quem são”, afirma Magali, que ainda destaca a importância de as crianças terem a possibilidade de perceberem sua própria beleza, força e poder e aprenderem que seu valor existencial vai muito além da aparência.
Doutora em antropologia social pela USP, com uma tese que abordou justamente cabelo, beleza e constru- ção da identidade, a professora da UFMG Nilma Lino Gomes, que também é ex-ministra de Igualdade Racial do governo de Dilma Roussef, aprofunda a discussão e coloca a forma de uso dos cabelos como símbolo de resistência, principalmente no caso das crianças negras. “Corpo e cabelo são símbolos muito fortes da construção da identidade negra e, com a valorização desses símbolos, a comunidade se fortalece, se identifica e se aceita”.
Nilma e Betina têm uma coisa muito especial em comum: a obra Betina, escrita pela ex-ministra contando a história de infância da cabeleireira e de sua relação com os cabelos enquanto ainda era uma criança. Com uma linda e emocionante relação entre avó e neta, o livro tem como teia principal o cuidado da avó com o trançar dos cabelos da menina.
Texto de Nilma Lino Gomes
Ilustrações de Denise Nascimento
Mazza Edições, 2009
Foi pensando em criar referências de beleza para as crianças negras que a carioca Renata Morais, 32, criou a campanha “7 meninas crespas”, que viralizou na internet em 2015 ao trazer sete garotinhas superestilosas munidas de seus black powers enfeitados com os acessórios da marca que produziu o editorial, a Lulu & Lili. Fundadora da marca e também dona da Crespinhos S.A., uma produtora de modelos infantis negros no Rio de Janeiro, Renata acredita que o crescimento da adoção dos fios naturais é um passo enorme para que as crianças que não têm o padrão de cabelo liso imposto pela sociedade tenham referências de beleza como a sua própria: “A criança precisa se amar, se entender, para exigir respeito. Naquela campanha, eu quis mostrar às meninas negras e de cabelos crespos, inclusive à minha filha, que elas podem ser lindas do jeitinho que são”.
A filhota de Renata captou bem a lição. Elis, de apenas 5 anos, já atraiu mais de meio milhão de visualiza- ções em seu canal de YouTube (Elis MC), em que é sempre categórica ao falar de seu cabelo crespo e incentivar outras crianças a gostarem dos seus. Desenvolta que só, a garotinha conta que recebe muitos elogios na rua e nas escolas, mas se alguém fala algo ruim do seu cabelo, ela já tem a resposta na ponta da língua, parafraseando a mãe: “Eu adoro o meu cabelo do jeitinho que ele é”. Em seu primeiro vídeo que bombou, com 56 mil views, a garotinha dispara: “Meu cabelo não é ‘peluca’, ele não é liso e eu só uso ‘cleme’ se for pra deixar ele pro alto”.
Elogios e agradecimentos no Instagram da pequena, que tem mais de 36 mil seguidores, mostram que sua mensagem de inspiração surte efeito e estimula cada vez mais pessoas, crianças e adultos, a fazerem as pazes com seus cabelos naturais. Reconciliação que nem sempre é fácil, como mostra o caso da belo-horizontina Pollyana Farias, de 7 anos: ela cresceu vendo a mãe, Ludmilla da Silva Farias, 25, alisando os cabelos quimicamente – “desde sempre”. Com apenas 6 anos, quis que seus cachinhos também fossem alisados. Um mês depois, a pequena se arrependeu. Agora, a criança acaba de sair de um longo processo de transição capilar, que durou seis meses. Quando a reportagem se encontrou com Pollyana, ela tinha acabado de cortar as últimas pontinhas de cabelos alisados.
O tratamento foi no salão Beleza Negra, que atua há 30 anos em Belo Horizonte, sob a batuta da empresária Betina Borges. Ela chama atenção para a importância de procurar um profissional qualificado e que trate os cabelos da criança de acordo com as particularidades que cada um tem e lembra que “química no cabelo é só a partir dos 13 anos – e com ressalvas”.
Profissionais de beleza, como Betina, têm exercido um trabalho de conscientização e valorização dos cabelos naturais. Salões de beleza de todo o Brasil se concentram, agora, muito mais em tratamento sem transformação da forma natural dos fios. A carioca Lola Monteiro, proprietária do espaço que leva seu nome, diz que é comum receber pais reclamando que o cabelo da criança “é difícil”. “O que nós fazemos é orientar e ensinar como cuidar mais facilmente, pois o que essas mães não sabem é que a falta de tempo gera ainda mais perda de tempo”. Na zona Sul de São Paulo, a Clínica dos Cachos, do empresário Almiro Nunes, recebe cerca de 40 crianças por mês e os pais dos pequenos assistem ao trabalho dos cabeleireiros, para aprender o correto tratamento dos cachos infantis.Não que seja exatamente um mistério tratar os cachinhos. A consultora belo-horizonta Nathália do Nascimento, 40, mãe da pequena Joana, de 6 anos, dá a receita: “Não tenho nenhuma dificuldade de tratar do cabelo dela, é só passar o xampu adequado e, para manter os cachinhos, umedecer na hora que ela acorda”. Joana é conhecida na escola como Cachinhos Dourados e diz que seus coleguinhas dizem que seu cabelo “é lindo, maravilhoso e bonito”. Pensa em acabar com os cachinhos algum dia? “Nunca! Quero deixar meu cabelo assim pra sempre!”.
3 penteados para os cacheados
Quem tem cacho sabe: há um mundo de possibilidades para mudar o penteado. Cortes, cores, acessórios e tranças fazem a cabeça de crianças e adultos. Conheça alguns:
Puff, penteado preferido da Elis
Você vai precisar de elásticos de cabelo, um pente de dentes largos, de preferência de madeira, e uma escova macia, como as de bebê. Para começar, penteie o cabelo com o pente de dentes largos e, se você for fazer dois puffs, divida ao meio. Depois é só amarrar o cabelo com os elásticos e usar a escova para finalizar a parte da frente.
Torcidinho lateral
Para esse penteado, você só vai precisar de um grampo ou uma presilha. Parta o cabelo de lado, deixando um “franjão”. Do outro lado da franja, onde tem menos cabelo, pegue uma porção e torça. O resultado vai ser parecido com uma trança, que você vai pegar e prender puxando para trás. Desse penteado também pode derivar o torcidinho duplo, onde a franja sai e a frente do cabelo fica toda puxada para trás.
Para ficar que nem princesa
Você vai precisar de uma presilha. Junte as duas laterais do cabelo na parte de trás do topo da cabeça, mas deixando um pouco solto na frente. Prenda com a presilha. Além de fácil, esse penteado valoriza muito os cachinhos.